(excerto)
Luis de Matos: (LM): A noção do anónimo é interessante porque leva-nos a pensar na forma como, na Tradição, Saint-Martin (que era um filósofo francês), tentou viver a Caridade. E a caridade deve ser anónima. A caridade deve ser feita, de facto, sem rosto. Devemos fazer a caridade sem que se saiba de onde ela vem. Era essa a sua forma de pensar.
Alexandre Honrado (AH): Há um movimento actualíssimo que diz que nós estamos a dirigir-nos todos para um momento de exigência da “caritas”, não da caridade de mão estendida, mas outro tipo de caridade. Uma caridade mais profunda em que dás de ti, o melhor de ti, para salvares os melhores que estão à tua volta e depois os que são piores então percebem que podem ser melhores.
LM: Sim. Ele chamava-lhe uma Caridade reparadora. Porque a ideia é reparar.
AH: Regeneradora ou reparadora.
LM: Exactamente. Porque há a caridade que mantém aquele que necessita da caridade, necessitando dela. Uma côdea de pão hoje, outra côdea de pão amanhã. E depois de amanhã a que horas é que vens cá buscar a tua côdea de pão? É que com uma côdea de pão nunca vais a lado nenhum. A Caridade de que ele fala não é essa. É a Caridade reparadora, de facto.
AH: Exactamente.
LM: E há uma Ordem que foi estabelecida à volta das suas ideias, que é a Ordem Martinista, que tem uma influência muito importante na cultura popular. E porquê? Porque aqueles que são iniciados nesta Ordem passam por um ritual onde a máscara é um ponto essencial. A máscara faz parte da sua vestimenta ritual.
AH: Mas com que essência?
LM: Colocam a máscara para poderem ser “invisíveis” no mundo.
AH: Nesse sentido…
LM: Nesse sentido.
AH: E a máscara introduz alguma expressão?
LM: Não. É aquela máscara…
AH: Anónima?
LM: Anónima. Completamente anónima. É aquela sem qualquer tipo de decoração. É completamente negra. Faz lembrar precisamente os heróis anónimos que vão aparecer depois na cultura popular.
AH: Mais uma vez os americanos, importando da Europa uma série de símbolos…
LM: Importando, fazem esta síntese. É o caso do Zorro. É um herói claramente ligado a esta tradição Martinista.
LM: Estamos a ver uma imagem. A máscara é esta, negra. Ele tem a espada do herói, a espada da justiça e tem uma capa negra. Os Martinistas é assim que se vestem [com esses elementos: capa negra e máscara negra, com a espada com recordação da justiça.] E depois do Zorro temos uma série de outros personagens. por exemplo, o Lone Ranger com o seu cavalo , que são sempre personificações de “cavaleiros” anónimos que ninguém sabe quem são na vida real.
AH: (…) Esta capa está presente nos heróis todos.
LM: Está cá porque [é uma referência] à lenda de São Martinho, que rasgou a sua capa para dar a um pedinte. A sua própria capa rasgou-a em duas e fez duas capas. Depois aparece-nos [mais tarde] o Super-Homem, que também tem a sua capa.
AH: Exactamente.
LM: A máscara do Super-Homem é diferente.
AH: Tem duas máscaras…
LM: Tem duas máscaras. (ri-se)
AH: Tem a da vida real, porque ele é jornalista e mascara-se de pessoa comum e depois tem esta máscara do super-herói.
LM: É isso. Ele usa a máscara da vida real. Mas a noção [subjacente] continua a ser esta do anónimo. Aquele que vive entre os comuns, mas que tem poderes extraordinários. O Batman é outro caso, mais um herói que tem a sua capa e a sua máscara. O que é interessante entender é que estes super heróis que vão aparecendo vêm do passado, vêm [na linha] da tradição Martinista e de Saint-Martin. No caso do Batman já estamos a falar de um herói com conotações mais negras. A máscara é-nos apresentada na cultura popular anglo-americana numa última figuração muito interessante, que é a do Dath Vader.
(continua…)