Nós e os Outros

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Episódio VIII – Nós e os outros

(excerto)

Alexandre Honrado: Se te legitimares no teu grupo, se tiveres a tua unidade, se tiveres o teu grupo como unidade de estabilidade, é mais confortável. Então o teu grupo pode opor-se ao outro grupo e dizer “eu sou melhor ou pior do que ele”. Reside aí toda a nossa história.

Luis de Matos (LM): Inevitavelmente.

AH: Vamos fazendo a nossa evolução através disso.

LM: Vendo que estamos a falar de ideias primitivas, que [já] vêm dos primeiros grupos de [seres] humanos, as primeiras tribos, é interessante como elas ainda hoje prevalecem, como aparecem e são usadas. São usadas, por exemplo, na política onde aparecem em qualquer discurso. São usadas, por exemplo, no futebol, onde o “Nós e os Outros” é evidente. O que é muito interessante é que, quando começamos a questionar a fundo quem somos “Nós” – porque essa é a questão que é preciso procurar [responder] – que cada indivíduo no seu grupo tem uma identidade própria, “ele”, [que] não se dilui no grupo, “ele” não se caracteriza por aquilo que é o grupo, o próprio grupo tem uma identidade…

AH: Legitima-se pelo grupo…

LM: “Ele” tenta legitimar-se pelo grupo. Mas o próprio grupo tem outra identidade. Raramente podemos dizer que um grupo tem uma única identidade. Dizíamos há pouco “[nós somos] portugueses”,  mas também somos “europeus”, também somos “descobridores”, etc.

AH: Esse conceito de clã ou de gang que é hoje tão usado é um bocadinho discutível porque os grupos nunca são unidades tão fechadas assim.

LM: Nunca. Nunca são. E eles próprios mudam ao longo do tempo. Podem começar por ter uma determinada identidade e à medida que o tempo vai passando, mudam essa identidade. Portanto, esse “nós” é impermanente. No grupo é importante a descoberta do “Nós”. “Qual é a identidade deste grupo?” E [é importante descobrir a identidade] de cada um em particular dentro do grupo.

(…)

LM: Os demagogos [usam esta dualidade e dividem o mundo entre] “Nós” e “Eles”.

AH: Deixa-me fazer-te evocar uma coisa que tu próprio disseste há uns tempos. Sobre o George W. Bush, o Bush filho, lembras-te da conversa?

LM: Sim. Eu tenho aqui uma citação interessante dele.

AH: Trouxeste? É porque era qualquer coisa como índios e cowboys. Nós e os outros.

LM: Mas é mesmo assim. É com esta ideia dos índios e dos cowboys que chegou ao poder.

AH: George W. Bush, o grande pensador do nosso tempo…

LM: Sim, aquele grande pensador… Vou citar directamente algo que ele diz num discurso no Iowa. Escuta bem que isto parece relacionar-se com o 11 de Setembro de 2001. Nota o que ele diz logo nesta altura: “Quando eu era jovem, o mundo era um lugar perigoso e nós sabíamos exactamente quem *eles* eram. Eramos nós e eles e era muito claro quem eles eram. Hoje não sabemos bem quem eles são, mas sabemos que *eles* continuam aí.”

AH: Isso é a cultura dos comics. É a cultura do cowboy, é a cultura do super-herói… De um lado está o mal e aqui vem o bom para salvar a situação. E ele sabia isso quando era miúdo pelos comics, pela banda desenhada.

LM: Exactamente. Isto é dito um ano e meio antes do 11 de Setembro. Não é em resposta ao 11 de Setembro. Isto é a forma como ele pensa. Há “Nós” e “Eles” e “Eles” estão no meio de “Nós”… Quem são? Quais de “Nós” são na verdade deles? A gente agora não sabe onde é que eles estão… “Eles” podem estar em qualquer sítio. É melhor ter medo. É melhor ter medo…

AH: E com que cor e com que aspecto? Se soubermos que por detrás da Cortina de Ferro estaria alguém com uma cor, sabias a quem havias de te opor. Era como se pensava. Agora temos um mundo completamente diferente. A correlação de forças mudou toda. Nós já não sabemos exactamente de onde vem o inimigo e se o inimigo é um fundamentalista que tem uma ideia solitária, com aquele senhor do norte da Europa que andou a matar (…). Ele era o mal, mas não tinha cor nenhuma que pudéssemos identificar naquele sítio e naquele espaço. Faz lembrar um amigo meu que diz que tem muitas saudades do tempo em que eram só os comunistas que comiam criancinhas.

(…)

LM: Não te esqueças que [Bush] é um demagogo. É isso que o demagogo faz. Procura na sociedade os temas fracturantes…

AH: Acho que arrasta na sociedade muita gente em torno…

LM: Mas isto é importante. Repara: é um discurso de 2000. Passaram 13 anos. Na sociedade portuguesa estamos a assistir a uma série de questões relacionadas com as “tróicas” e companhias e com a forma de justificarem uma série de políticas onde esta demagogia continua. Vão-se buscar os temas fracturantes precisamente para dividir as pessoas. Não é muito difícil entender que a consequência das medidas que se tomam não está a ser positiva. Mas não se discutem as consequências. Discutem-se temas que são logo fracturantes: os professores, as reformas, os reformados, os salários… Isso divide imediatamente as pessoas.

AH. Sim. Isso isola também. Isola por grupos. Isola por corporativismo.

LM: Sim, mas leva a uma coisa muito mais interessante e que é pena que os portugueses se deixem ir, mas é clássico. É assim o ser humano. É que leva a soluções simplistas. Em vez de entender o porquê… As situações raramente são simples. São complexas, especialmente quando falamos de temas que têm muitas variáveis, como é o caso da Economia. Há quem diga que a Economia não pode ser uma ciência. É mais parecida com a Astrologia e com a Previsão do Tempo do que com a Química ou com a Física. (…) A forma como os temas são postos [pelos demagogos] de uma maneira fracturante – e quando se diz “fracturante” é precisamente ir buscar este “Nós” e “Eles” – leva-nos a soluções simplistas. Não só por parte daqueles que põe os problemas e dizem “mas vocês estão connosco ou estão com eles?”. A [análise] da situação é simplista. [Mas também porque] os “Eles” dirão “essa não é a solução”. E encontrarão uma solução simplista contrária. Nunca chega a haver um entendimento entre ninguém precisamente porque se extremaram as posições. E note-se o que é que faz um demagogo a seguir, quando quer que não se resolva nada: pede um entendimento. Pede um diálogo. Pede aquilo que se chama hoje na imprensa um “consenso”. Isto é clássico na história da humanidade. Não está a acontecer só em Portugal.

(continua…)

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Entramos em 2014 líderes de novo. Pérolas aos Poucos na TVL. Obrigado a todos!

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2 pensamentos sobre “Nós e os Outros

  1. Boa tarde. Ao ler o vosso dialogo, que parece ter interesse embora superficial, acerca das pessoas, grupos a que pertencem, a sua dinâmica, interrelações, divisões, etc., permanecem as questões cruciais às quais, ao longo do tempo, se tem tentado dar resposta com sucesso variado dependendo do tipo de consciências envolvidas nessa busca, nessa experiência direta, trazendo, essa sim, o conhecimento capaz de ser usado pela consciência para se autotransformar em íntimo acordo com a corrente evolutiva do cosmos.
    As pessoas reunem-se em grupos, dependem do grupo, escondem-se no grupo e por aí fora…, isto acontece pois o grupo é normalmente uma força maior do que uma pessoa isolada, isto é instinto primário que vem de muito longe, a erança animal, o cérebro reptiliano e sua imensa experiência animal é descarregada via cérebro, sendo este um instrumento capaz de potenciar largamente aquilo que no animal estava contido por estar desligado de um neocortex ainda imberbe. A matilha, a manada, a tribo, o grupo, a sociedade, a humanidade. Dimensões numéricas que refletem sempre os mesmos aspetos da vida animal, quer de modo isolado, quer em grupo. cont…

  2. cont…, Embora a sociedade “humana” exiba uma consciência mediocre, ela deve-se à sua ancestralidade e assim continuará a ser por muito tempo. As diferenças entre grupos devem mensurar-se pelo nível de consciência evidenciado e não pelo QI, pelas posses, ausência delas, ou qualquer outro fator aparente. A radiação da consciência, já conhecida, mas regeitada pelos grupos onde impera a consciência animal, pelas corporações da àrea médica ou outras que defendem o poder que detêm sobre o comum das pessoas deveria ser a medida de avaliação da consciência, pois a radiação não engana.
    Espera-se um mundo novo e ele apareceu, mas o que mudou de fato foram as tecnologias e o que elas veículam intensamente são as mesmas caraterísticas desumanas de sempre.
    O intercâmbio entre o Humano e o animal levou este a olhar para cima e a querer voltar para “casa” embora sem saber para onde. O Humano, prisioneiro num corpo de origem animal aspira por se elevar e nessa dinâmica elevará também o animal, de selvagem a civilizado, a social…
    A busca espiritual é assim essa dinâmica de retorno que gera e sempre gerou o imenso Drama civilizacio-
    nal que vivemos.
    O processo histórico demonstra de modo suficiente o conflito entre a retenção e a expansão. É preciso ir além do horizonte, da quadratura do ciclo, quis dizer CICLO, e perceber a progressão da espiral.

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