Episódio V – O Segredo
(excerto)
Luis de Matos (LM): O “segredo” tem aqui duas fases. Em primeiro lugar a noção de que há uma realidade e que algo se esconde por trás dessa realidade. Podemos apreciá-la se pudermos, a partir daquilo que é esotérico – daquilo que não é aparente – chegar a algo de mais profundo, que é a existência das coisas para lá da sua aparência. Mas isso parte de um princípio [anterior] muito interessante: é que elas antes de serem coisas, também já tinham uma existência que era invisível. E todo o visível é produto da precipitação desse invisível. Ou seja, tudo o que é material, já foi imaterial antes de poder ter sido material.
Alexandre Honrado (AH): E aos poucos vai-se descobrindo?
LM: Aos poucos vai-se materializando. Portanto essa essência que o criou está lá. Faz parte do tecido de toda a coisa existente. Estudando a coisa existente, encontram-se as causas da coisa existente. O esoterismo é isso.
AH: Então o mistério é uma metáfora do segredo.
LM: O mistério é uma metáfora do segredo. O mistério está em tudo, podes a partir dele, chegar ao segredo. E o segredo é a causa. O segredo é sempre a causa. Falamos da relação entre a palavra “segredo” e a palavra “arcano”. Alguma coisa que é “arcana”, de facto é um segredo. Mas “arcano” vem do [grego] “arquê”, o “princípio”. É o princípio gerador de todas as coisas.
AH: Utilizamos muito o “arcaico” por causa disso.
LM: Precisamente. A noção de segredo tem sempre que ver com “o que é que causou isto?” Vivemos num mundo de causas e efeitos mas muitas vezes não nos perguntamos, na nossa vida, porque é que qualquer coisa ocorre. Quando paramos e perguntamos o “porquê?”, estamos a indagar qual é que é a causa. É um mundo de efeitos. Se encontrarmos a causa e mudarmos a causa – e muitas vezes a causa é o nosso mau comportamento, muitas vezes a causa é como reagimos mal a determinadas situações, muitas vezes a causa são as nossas inclinações naturais, que nem sempre são as melhores, ou até inclinações culturais que nos obrigam a agir de determinada forma que não é consistente com os valores morais que temos…
AH: E exigências do foro esotérico…
LM: … quantas vezes… o que nos leva a produzir um mundo, a criar um mundo à nossa volta, connosco, com os nossos amigos, com a nossa família, no nosso emprego, que é totalmente condicionado pelas nossas reacções.
AH: Tu acreditas que, para o verdadeiro amigo, não há segredos?
LM: (ri-se).
AH. Nós somos muito amigos, mas teremos alguns segredos um para o outro?
LM: E quem é o verdadeiro amigo?
AH: Quem é o verdadeiro amigo?
LM: Sim, quem é o verdadeiro amigo? O único fiel amigo que há é o bacalhau. Esse é o único fiel amigo. Tirando esse…
AH: A proximidade do Natal faz-te dizer coisas absurdas…
LM: Faz, faz…
AH: Não sou só eu hoje a dizer coisas absurdas…
LM: É que colocamos o fiel amigo no plano da refeição. Haverá um fiel amigo? Quem é que é fiel a si próprio, quanto mais ao outro, durante toda uma vida? Quantas vezes nos traímos a nós mesmos? É que temos dentro de nós duas tendências: temos sempre a possibilidade de fazer o bem e o mal. Mas enquanto não nos descobrirmos, enquanto não encontrarmos uma bússola interior que indica o caminho que devemos seguir, estamos sempre a mudar. Somos voláteis. Somos aquáticos.
AH: Luz e trevas também.
LM: Completamente. Mas seremos sempre luz e trevas. A questão é que muitas vezes as trevas sobrepõem-se de forma inconsciente. Nós nem o percebemos. E somos inconsistentes connosco próprios. Hoje defendemos uma coisa, daqui por uma semana defendemos outra completamente distinta, achando que somos consistentes.
AH: As respostas às vezes estão dentro de nós e por isso é que estão tão distantes, porque temos segredos para nós próprios. Não queremos admitir… Chegamos lá, tocamos e voltamos atrás. “Não quero descer tão baixo para conhecer o meu íntimo”.
LM: Precisamente, precisamente. Eu falo por ti.
AH: E eu falo por ti!
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