Também a Propósito da Reportagem “Segredos Maçónicos” da RTP1

1. O HORROR

Não tenho recordação de nenhuma reportagem feita por uma televisão nacional que tenha tido o impacto de “Segredos Maçónicos” exibida pela RTP1 no seu Linha da Frente a 6 de Fevereiro de 2020. O meu telefone não descansa, o meu mail está cheio, os serviços de messenger estão em overload. Os meus amigos e muitos dos meus leitores querem saber como é que apareci na reportagem e muitos se perguntam o que faço na Nova Maçonaria Portuguesa (assim se apresenta a Soberana, a Grande Loja que abriu as portas às câmaras). Tenham lá calma. Estive no ar 20 segundos!

Talvez seja boa hora de colocar alguns assuntos em dia.

De facto a reportagem é controversa. Mesmo o Grão Mestre da Grande Loja Soberana publicou no site da Obediência uma mensagem de fundamentação de algumas das opções seguidas ao abrir a sua sede, porque mais vale esclarecer e enquadrar do que deixar à imaginação de cada um o que terá a RTP filmado de uma sociedade tão secreta como a Maçonaria! E chamo-lhe controversa pelas reacções, adversas na sua maioria pela parte de Maçons e favoráveis pela parte do público, especialmente do meu público leitor que já está habituado a saber que pouco do que é maçónico fica hoje escondido. Mais sobre isto adiante.

E as reacções surpreenderam-me porque, em quase 30 anos de Maçonaria, já vi reportagens portuguesas dentro de rituais maçónicos, totalmente filmados de ponta aponta (a célebre reportagem da RTP em 1992 no Hotel Estoril Sol em reunião magna da então Grande Loja Regular de Portugal), várias reportagens nos Congressos que por cá se realizaram com acesso à parte litúrgica, até uma reportagem para um canal privado novamente no Estoril Sol em 1996 por ocasião da tomada de posse do Grão Mestre da GLRP. Lá fora então, recordo-me de tudo, desde a reportagem completa da comemoração dos 275 anos da United Grand Lodge of England em 1992 em Earls Court até à mais recente comemoração dos 300 anos com um ritual que teve lugar no Royal Albert Hall em 2017 – tudo filmado, é procurar no Youtube.

Ou seja, a internet veio colocar uma lupa sobre Maçonaria. Não apenas no que respeita às fotografias, livros, rituais, informação verdadeira e falsa, mas igualmente nas plataforma de vídeo como o Youtube ou Netflix e nas redes sociais.

Assim, podemos dizer que há dois tipos de Maçonaria no mundo hoje: as que estão em negação e pensam que podem viver à parte, sem escrutínio, sem que a curiosidade que incentivam com um secretismo mal explicado exija uma abertura à sociedade que dizem querer mudar e as que fizeram uma longa introspecção e, não desejando ser varridas para debaixo do tapete das irrelevâncias históricas e curiosidade museológicas, abraçam o novo mundo e a revolução digital sem comprometer os valores e o direito à privacidade que essa revolução veio por na ordem do dia. E destas, seguramente que a Grande Loja Unida de Inglaterra e algumas Grandes Lojas Americanas têm tomado uma dianteira que iria chocar 90% dos que se me têm manifestado nos últimos dias por causa do Linha da Frente. Quem ficou na estação e viu o comboio partir é capaz de ficar abalado com o título do Irmão David Staples da United Grande Lodge of England.

Um exemplo curto:

Há uma enorme falta de informação e ligação à actualidade. Estamos a ficar para trás. A marcar passo. Outro exemplo do que se faz lá fora:

Então e Portugal? Tem a Maçonaria conseguido fechar portas e manter os Templos e os rituais escondidos?

Como autor, tenho a obrigação de dar aos meus leitores informação fidedigna. Reclinem-se nas vossas cadeiras ou deixem o que se segue para ouvir a caminho do trabalho no vosso telemóvel. É extenso. Não é a primeira vez que a Maçonaria “abre as portas”. A presente Reportagem deve ser comparada com o que já foi feito.

Querem fazer comigo uma viagem à avenida das memórias?

Cá vai:

Avivou a memória? Abrem-se Templos, explicam-se símbolos, fala-se de história, fala-se paramentado, vê-se tudo, mesmo o que devia ficar reservado, vêem-se cadeias de união, rituais, deambulações na Loja, a música é grave e taciturna, tictacteia-se à volta do segredo (Segredo? Não há segredo! Discrição…), há várias organizações e muita gente diferente. Nem tudo é mau. Mas tudo é meio obscuro, fechado e pretérito.

Atenção que isto é um assunto sério! Até hoje a Maçonaria não percebeu que, se quer fazer parte da Sociedade, tem de fazer a sua parte para que a Sociedade a perceba. E a comunicação é chave. Deve ser positiva, diferenciadora e não deve esperar pelo ruído mediático dos escândalos nem ser feita à custa das rivalidades entre Obediências (que o público em geral, naturalmente, não distingue). Assim tem sido a comunicação maçónica nos meios informativos em Portugal.

Quem conhece estes e outros vídeos, como pode estar a mandar-me, logo a mim, mensagens sobre eu aparecer no Linha da Frente durante 20 segundos? Será que há algo mais subversivo no Linha da Frente, que os não-maçons não apanham?

Será, talvez, que haja quem tenha preferência por isto?

Ou mesmo, isto…

É que, caros leitores, na era digital, do Facebook e do Youtube, não são as Obediências Maçónicas que fazem a agenda. O conteúdo sobre elas é criado livremente por quem precisa de vender clicks. E por gente com a mania da perseguição. E por fanáticos. E até, imagine-se, por membros das Lojas! E é por isso que a revolução digital não se pode ignorar, porque não se vai embora. Veio para ficar.

E ficar! Uma história num jornal online fica para sempre e pode sempre encontrar-se googlando. Boa ou má. Certo, certo, encontram-se mais histórias más do que boas. Mas isso acontece porque é aos Maçons que compete divulgar as boas. E eles não o fazem com frequência. A desinformação online sobre a Maçonaria diz muito da formação dos Maçons e da sua incapacidade para enfrentar a realidade. Coloca-se tudo no Facebook. Há milhares de imagens de cerimónias, templos, Lojas em sessão, paramentadas e em pleno ritual. Partilha-se tudo. E mais uma vez a Grande Loja Inglesa vais à frente. É ver aqui e é só seguir o bom exemplo. Mas não… Vamos fechar os olhos a ver se passa…

Suspeito que o HORROR de que falo acima, o que chocou os muitos Irmãos e Irmãs que me enviaram mensagens, mas também o que agradou aos não-maçons, não foi a abertura dos Templos, nem as entrevistas com avental, nem deixar falar os Aprendizes, nem ver-se uma Loja por dentro. O HORROR foi a tal atitude de “Nova Maçonaria”. Foi o perceber-se que a Reportagem não é uma peça orientada, que o que se vê é genuíno, não é preparado, não é um infomercial, não falam só os chefes, há muitas caras desconhecidas e correntes, gente que se cruza connosco na rua e igual a nós. Foi o assumir-se um preço elevado pela iniciação (tabu bem conhecido), deixar explícito que sem dinheiro não há meios (todos sabem disso, mas fica sempre nas entrelinhas – dinheiro?! Que horror!), mostrar-se um leilão solidário (que muitos também fazem à porta fechada), ver-se que não há pudor em convidar um sem-abrigo a jantar e falar, dizer que impacto as acções solidárias tiveram (muitos também as fazem, mas a sandezinha não é transformadora e iniciativas não são obra), foi a falta na Reportagem de Gestores Públicos, autarcas, políticos, deputados, Secretários de Estado, gente emproada que tem por profissão gerir o nosso pecúlio.

Essa nova atitude, corte radical com as imagens históricas que vemos acima e que eram muito boas no seu tempo, é a realização de que de futuro a Maçonaria tem de estar mais próxima do mundo sem comprometer a sua missão espiritual e transformadora, constituída por gente excepcional pelas suas inquietações e leaders no seu metier, mas não comprometidas com lobbies obscuros ou interesses desfasados dos valores Maçónicos e capazes – repito: CAPAZES – de dar a cara e se fazer conhecer como Maçons. A ruptura com o passado pela celebração da história. Isso é o que instiga o HORROR.

Os tempos andaram para a frente mais de 100 anos nos últimos 15. Já nada é igual e quem não evolui, perde-se na irrelevância.

2 – MAS TU ESTÁS NA SOBERANA?

E apesar da defesa intransigente da Reportagem, não, não sou membro da Soberana. Sou autor de vários livros onde tenho publicada a minha filiação de várias décadas ao Rito Escocês Rectificado e, na última década, à Loja Adhuc Stat!, nº5 do Grão Priorado Rectificado de Hispania.

A resposta é não. Basta ver como sou apresentado.

Foi durante as gravações do Podcast “Assunto Sério” da Soberana, para o qual fui amavelmente convidado para falar sobre assuntos como o Quinto Império, a Geometria Sagrada, o Rito Rectificado, etc., como autor (ver aqui, aqui e aqui) que me pediram para dizer umas palavras sobre Maçonaria. Colaborei com todo o gosto, porque sou neutral em absoluto relativamente à Maçonaria Portuguesa, querendo apenas que ela prospere.

Já colaborei em eventos e iniciativas diversas (debates, palestras, cursos, visitas guiadas, apresentações, etc.) com a maioria das cerca de 20 Obediências Portuguesas, designadamente a Grande Loja Regular de Portugal (de que fui um dos fundadores)/GLLP, Grande Oriente Lusitano, Grande Loja Simbólica (ambas), Grande Loja Unida de Portugal, etc. Sou de fora, equidistante, “igualmente amigo do rico e do pobre desde que sejam boas pessoas”, tenho leitores em todas a Obediências, não me meto em assuntos internos, não comento sobre questões litúrgicas. Único desígnio: que a Ordem prospere. SOU INDEPENDENTE. Para quem sabe ler, está tudo dito.

Ora, isso é visível no forma como fui titulado “Escritor/Maçon” face aos outros intervenientes, com os seus aventais, graus e funções bem explícitos:

Finalmente há um plano em que apareço em modo casual, de polo, frente à mesa de som do Podcast, em claro contraste com todos os outros intervenientes.

Parece-me evidente que é implícito que sou um convidado e não falo em nome de ninguém a não ser eu mesmo.

E o que foi que eu disse nos meus 20 segundos de antena?

“Cada vez que um Maçon, de qualquer lado, se mete em negócios escuros, está a meter todo o nome da Maçonaria em negócios escuros. Portanto ele deve ser punido por isso”.

E ainda:

“Nenhuma organização – nenhuma – de nenhum tipo, associativa por exemplo, [como] os Bombeiros de Sintra ou seja quem for, pode assegurar-se que aqueles que são sócios se portam bem. É muito raro – dos casos todos que nós conhecemos – é muito raro haver um conjunto de Maçons que se juntou [com o propósito de] fazer qualquer coisa que é ilegal; porque se tivesse sido assim, teriam sido presos por associação criminosa”.

Ora, esta posição está já expressa no meu livro “Maçonaria Desvendada – Reconquistar a Tradição”, de 2011. Veja-se o que publiquei aqui sobre o caso Loja Mozart a seu tempo. Por isso nada de novo. No mais não tive intervenção.

3 – MAS TU ESTÁS COM A SOBERANA?

Essa é outra questão. Não sou da Soberana, mas estou com a Soberana como sempre estive com todos os ramos da Ordem Maçónica que trabalham para o seu progresso. Sei que há poucos como eu. Não tenho a pele em nenhuma contenda e comparto o pão à mesma mesa com irmãos e irmãs de todas as tendências maçónicas. Quem achar que me tem, desengana-se depressa. Sou livre. Não participo de nenhuma estrutura de poder em Portugal, por isso nada tenho a ganhar ou a perder nas rivalidades. Não são minhas. Onde houver bom e seguro trabalho Maçónico, se o GADU assim entender, eu estarei lá. Assim, estou com a Soberana.

Maçonicamente filiei-me há anos à família Rectificada espanhola por afinidades espirituais e por ter trabalhado como CEO de uma companhia em Madrid muito tempo. Não desejo deixar essa filiação num Regime que me agrada e que entendo como uma jóia excepcional. Mas é esse meu compromisso que me leva a aceitar os diversos pedidos de ajuda e informação, conselho e apoio que me vão chegando de todos os amigos que fui fazendo na Ordem. E por isso, quem estranhe que a minha amizade fraternal com o Grão Mestre João Pestana Dias me leve a acompanhar de perto o seu trabalho e o que a Soberana está a fazer, apenas me deve contactar e convidar-me para os seus debates, Podcasts, visitas guiadas e o mais, que eu lá estarei igualmente com prazer. Não faço descriminações. Sou Independente. Sou largo e pesado e chego para todos! Não vale a pena cenas de ciúmes.

A esta minha atitude fraternal para todas as Obediências, adiciona-se o facto de o Grão Priorado a que pertenço ter assinado um Tratado de Amizade com a Soberana há poucos meses, por iniciativa do seu Grão Mestre Diego Cerrato, que é muito judicioso e prudente nestas coisas e que escrutinou em detalhe a Obediência antes de nos permitir (à Loja a que pertenço) usar as instalações desta para reunir. Já reunimos em outras instalações e nunca tive as perguntas e reacções de surpresa que recebi agora!

Ou seja, não pertenço à Soberana. A Loja – estrangeira – a que pertenço reúnem em espaço gentilmente cedido por esta. Em outras organizações de carácter fraternal em que estou, tenho uma relação próxima com muitas outras Ordens e Obediências que prezo muito. Nas Jornadas Templárias em Lagos do ano passado esteve a meu convite um Grão Mestre Adjunto do Grande Oriente Lusitano e o Grande Conselheiro da maior organização Rosacruciana Portuguesa. Templos e lugares de reunião têm sido gentilmente cedidos por Lojas e Associações que têm Irmãos na sua composição em todo o país para um largo leque de actividades. É ver a minha agenda para ter noção das que são públicas.

4 – A NOVA MAÇONARIA PORTUGUESA

Pois, aqui é que está o nó.

Tal como em todas as situações em que o hábito se sobrepõe à finalidade, há vários incumbentes que vão repetindo padrões de comportamento que os isolam do ambiente em que vivem e os alheiam do desígnio, até que uma formulação disruptiva apareça e venha actualizar os meios e os métodos, repondo a finalidade. Historicamente, os gigantes que não se adaptam encontram a irrelevância e definham lentamente. Em geral os incumbentes combatem os disruptivos em vez de fazerem uma auto-análise e darem um passo em frente. Foi assim que a Igreja acendeu as fogueiras da Inquisição na sua Contra-Reforma em resposta às questões levantadas por Lutero e outros. Quem quer manter o status nem sempre saber reagir e crescer quando muda o “quo”. Mas há notáveis excepções.

Ora, o mundo Maçónico Português é essencialmente composto de incumbentes e cisões de incumbentes por motivos ligados ao hábito (em raros casos, à finalidade), os quais hábitos são transportados para as novas organizações (que rapidamente têm resultados idênticos às antigas).

Na nova edição que estou a prepara do meu livro “Quero Saber – Maçonaria” onde faço uma análise da Maçonaria Portuguesa actual na sua totalidade (fui o primeiro a listar os contactos e dados das 15 Obediências a trabalhar em Portugal à época da 1ª Edição [2013] – hoje devem ser mais de 20), falo das três principais novidades que emergiram nos últimos 7 anos:

  1. O surgimento do Rito Português e a sua história (não confundir com o Rito Eclético Lusitano do século XIX)
  2. A tendência de redução do tempo de mandato dos Grão Mestres
  3. A presença da Maçonaria no mundo Digital, incluindo Redes Sociais

Não vou de momento desenvolver os pontos 1. e 2., anotando apenas que até ao momento, desde o século XVIII, a Maçonaria Portuguesa alinhou-se sempre por dois eixos – divergentes desde o final do século XIX – o eixo Francês, especialmente através das relações fraternais com o Grand Orient de France, ainda hoje uma referência mundial na Maçonaria laica e adogmática, cujo principal exemplo é o Grande Oriente Lusitano; e o eixo Inglês, através das relações fraternais com a United Grand Lodge of England, representado na Grande Loja Legal de Portugal/GLRP. Ainda assim, mesmo movimentos mais recentes como as Obediências que praticam o Rito de Memphis-Mizraim, bem como a Grande Loja Feminina de Portugal, o Direito-Humano, entro outras, mantêm laços fortíssimos com as suas congéneres francesas. Ou seja, até à criação do Rito Português na Grande Loja Legal de Portugal/GLRP (que já não o pratica), toda a Maçonaria Portuguesa era… estrangeira…

No que toca ao ponto 3., a evolução deu-se em três períodos e vertentes. Desde logo houve uma desconfiança absoluta das Obediências face aos novos meios e, à parte os entediantes sites institucionais, houve sempre uma presença ausente ou monolítica. Com o surgimento do Facebook e a popularização do Youtube, foram os Maçons (e não as Obediências) que começaram a partilhar conteúdo, muitas vezes de forma indecorosa, mal informada, devassando o direito ao anonimato e à revelia de todos os juramentos ou da simples prudência, não obstante de forma entusiasta e frequente!

Irmãos das mais distintas Lojas e Obediências trocam hoje informação, fotografias, coscuvilhice interna no Whatsapp, Messenger e outros, sem respeito pelas egrégias determinações superiores de “estes são reconhecidos mas aqueles não”. Só mesmo a cegueira voluntária pode explicar que a “lepra maçónica” que está implícita em declarações do tipo “esses não são regulares” ou “esses estão proibidos de ter relações connosco” possa ter qualquer eficácia real no mundo digital de hoje…

Domage! Não há maçon ou Maçona que não tenha amigos e amigas, irmãos e irmãs, em múltiplas Obediências que se degladeiam entre si e fomentam zangas de anos, mas com os quais têm uma amizade sã, fraterna e profícua. Não é infrequente encontrarem-se “profanamente” e cultivarem a fraternidade maçónica fora do mundo institucional, não compreendendo (porque não é de fácil explicação!) porque motivo não podem encontrar-se lado a lado no Templo da Fraternidade Universal. É que hoje reconhecem-se online. Estão em contacto o tempo todo. Têm afinidades maiores do que as diferenças e entendimentos muito próximos sobres os assuntos que lhes interessam. Ou seja, em conclusão, há um mundo ilusório, de convenções e ufania, segregado, isolado, controlado pelas Obediências com os seus Decretos que nem os seus Grão Mestres, em muitos casos, seguem à risca; e depois há o mundo real (com base na comunicação virtual digital) em que a fraternidade global se corporiza, trabalha, age no mundo, se associa e vive, que escapa ao controlo das Lojas.

É este estado de coisas que leva a que, numa terceira fase, algumas Obediências começassem a pensar este assunto muito a sério. Recordo-me de trabalho muito avançado que conheci na Grande Loja de Filadélfia e na Grande Loja de Nova Iorque já em 2009, quando os templos começaram a esvaziar-se e o interesse na reunião cara a cara e depois mais um jantar dispendioso começou a diminuir. Na Europa foi a Grande Loja Unida de Inglaterra que liderou a mudança. Fez estudos profundos e abriu discussões aglutinadoras. Numa visita a uma Loja em Great Queen Street em 2010, habitualmente preocupada com a avançada idade da maioria dos membros, ouvi uma excelente comunicação acerca da renovação dos meios e métodos sem comprometer a integridade do Ritual e da Maçonaria, no sentido de apelar a membros mais novos da comunidade.

Todos este esforços deram resultados. Podem ser consultados nos websites das respectivas Grandes Lojas e uma pesquisa atenta mostrará múltiplas iniciativas de ligação ao mundo através das plataformas digitais, sempre sem comprometer o que é, sempre foi e será a Maçonaria. Do mesmo modo, podem encontrar-se diversos exemplo de referência no âmbito da multimedia, seja no Netflix ou em canais cabo (veja-se Lodge 49 na AMC americana). O Supremo Conselho Americano Jurisdição Sul em Washington deixou de ser monolítico e tem convidado canais de televisão de referência assim como produtoras de longas metragens, autores como Dan Brown e outros, a usarem os seus Templos, Museus, Bibliotecas e Auditórios para eventos. A Grande Loja Inglesa decidiu que a sua sede em Londres, no bairro contíguo ao dos teatros, deveria ser o maior e mais ilustrativo cartão de visita da Maçonaria. Vejam-se alguns exemplos em que o espaço foi cedido a título comercial, abrindo portas.

(Click to download: páginas 18 e seguintes)

Ou:

Mas mesmo os mais conservadores não poderão deixar de admirar a grandiosidade e a segurança nos seus valores – porque é preciso estar-se muito seguro do que se é – da Grande Loja Inglesa ao ceder os seus Templos à Maçonaria Feminina Inglesa – com a qual não tem relações litúrgicas!

Ai se fosse cá!

Notaram seguramente que é o Grande Templo em Londres e que há câmaras a filmar.

Em todas as críticas que ouvi, a vasta maioria vinda de meios Maçónicos que se sentem ultrapassados por uma Obediência que a reportagem caracteriza como “pequena”, “recente” e “não reconhecida”, ressalvam questões (questiúnculas) irrelevantes e já tratadas há muito, como fica demonstrado acima: imagens dos Templos, Maçons de avental, teatralização de passagens rituais (que até estão disponíveis na net), dar acesso aos meios de comunicação, eventos brancos, etc. Nada de novo e nada que Obediência nacional alguma possa objectar em face da prática que tem sido recorrente. Alguma coisa do que constitui o âmago da Ordem foi exposto ou profanado? Não creio.

O que está em causa é uma sensação de ultrapassagem por quem não é um incumbente. Tão só isso.

Não sou da Grande Loja Soberana. Estou com ela, como estou com todas. Convidem-me que eu apareço. Peçam-me que trabalhe para vós, e lá estarei. Sem favoritos.

Agora, meus caros, está na hora de ir trabalhar e mostrar que o Nova Maçonaria Portuguesa se estende por muitas Lojas e Obediências, tirando o simbólico chapéu à Reportagem da RTP. O que é, é.

Trabalhinho de casa bem feito e chega-se longe. Abrir as janelas, deixar sair o ar bolorento e começar um novo dia. Se os incumbentes olharem para a frente sem erguer tapumes e barreiras artificiais onde os seus membros só vêem campo aberto, num instante a Maçonaria Portuguesa recupera o lugar que é seu na sociedade.

Até lá, este é o novo standard.

Basta perguntar ao google.

Pérolas aos Poucos – Chama-me Nomes

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TEMPORADA 2 – EPISÓDIO V – CHAMA-ME NOMES

(excerto)

Luis de Matos (LM): Um outro fenómeno que tem acontecido em diversos países, mas que é mais visível nos nomes americanos e na comunidade afro-americana, é procurar inventar nomes muito criativos e muito diferentes [do habitual]. Lembro-me de Beyoncée, Jamilia, por exemplo. Quando ouvimos alguns nomes na televisão ficamos muito surpreendidos. São nomes especificamente da comunidade negra. E porquê? Porque os seus pais e avós tinham nomes de escravo e eles estão a procurar deixar [para trás] esses nomes. Os Jackson, os Jefferson eram nomes normais da comunidade negra há 50 ou 60 anos atrás. Cada vez mais os vão deixando para outros nomes que vão criando. São muito inventivos. E isto é interessante porque a sua consciência social mudou completamente. Eles não renegam a sua ancestralidade, aquilo que os seus pais ou avós foram, mas como se sentem pessoas diferentes e têm outro papel na sociedade, mudam o nome. No nome se reflecte a mudança interior.

Alexandre Honrado (AH): O papel da religião [na atribuição de nome] também é importante. Há uma fase da história do mundo que é condicionada por algumas religiões e essas religiões impõem alguns nomes, até para as pessoas poderem dizer “eu sou desta religião”, ou também para dizer “eu agora escolhi um nome diferente para o meu filho para esconder que sou desta religião”, depende do momento que estás a viver.

LM: Sim.

AH: Em Portugal é nítida a quantidade de José e de Maria, o que não é em vão e que em certas zonas do mundo [essa influência ainda] é importante.

LM: É um impacto importante. Mas é mais importante, por exemplo, o nome de família. Enquanto que, com o nome – quando dizes o nome próprio – de facto esse nome define-te como pessoa, o teu apelido define ainda mais, porque fala sobre o teu passado. Conforme eu te dou um nome… Tu disseste-me logo: “Matos? Está ligado a judeus.” Não poderias saber, por exemplo, que o meu avô se chamava Isaac.

AH: Não podia saber…

LM: Claramente que isso se reflecte.

AH: Podia deitar-me a adivinhar, o que era uma coisa linda!

LM: Podias tentar!

(…continua)

Pérolas aos Poucos – O Objecto

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Temporada 2 – Episódio III – O Objecto

(excerto)

Luis de Matos (LM): [A noção de objecto] que vem do filósofo George Berkley, leva ao extremo a ideia de que o objecto em si é indissociável da ideia do objecto. Quando falamos do [Santo] Graal e dizemos que está em Léon; ou não, está em Glastonburry; ou não, está em Monserrate; ou não, está em Valência, ou noutra parte qualquer da Europa; ou até poderia estar em Portugal, quem sabe; nós estamos a falar de ideias do Graal. Estamos a falar daquilo que são as tais formas de pensamento que criamos à volta de um objecto específico. O que George Berkley defende é que o objecto e a ideia são uma única coisa, não são coisas distintas. Não consegues ter a ideia sobre o objecto sem a existência do objecto.

Alexandre Honrado (AH): Estás perante o objecto. Tens consciência dele e o reconhecimento do objecto.

LM: Se não estivesses perante ele e não tivesses a percepção empírica de que ele está à tua frente, não conseguias conceber o objecto. Sem um motivador externo, não conseguias criar a ideia. A partir desse momento, o objecto e a ideia tornaram-se iguais. [O objecto é a ideia que fazes dele e deixa de existir por si mesmo].

AH: Estavas cá no início do programa, quando eu disse para a câmara – logo no início – “sem o objecto não podemos ser objectivos”. Uma sala vazia, nua, sem qualquer objecto, não nos trás objectividade. Perante esse reconhecimento não somos nada.

LM: Não. Contudo, tu podes criar a ideia do objecto – “o Santo Graal é uma taça”, dizes tu – e agora a ideia em si ganha vida. Mesmo sendo distinta do objecto. Ela passa a ser em si [mesma] algo que é, que posso comunicar às pessoas, que posso fazer crescer, que posso colorir à volta e criar toda uma “ideologia” à volta [da ideia] de algo que [já não] é sequer objectivo.

AH: É mais uma imagética, às vezes, nem é propriamente uma ideologia.

LM: Completamente. Isto faz com que o objecto tenha evoluído. Quando perguntas “o Graal não seria uma taça”? [Sim,] é uma taça. Na ideia das pessoas é uma taça. Portanto, é também uma taça.

AH: Em alguns textos mais antigos dizem que é um prato de cobre. Que na tradução mais directa…

LM: Pelo que, também é um prato.

AH: Pelo que também é um prato…

LM: Ou seja, se o objecto e a ideia que tens do objecto são a mesma coisa, cada objecto vai adquirindo sucessivamente diversas formas ideais [a partir] daquilo que ele é, que o vão qualificando e o vão transmutando ao longo do tempo. O objecto muda ao longo do tempo.

AH: Exactamente.

LM: Havia um objecto específico e físico, que pudesses tocar, que fosse o Graal? Isso é o que nós não sabemos. Porque a ideia já adquiriu tal força entretanto, já se expandiu de tal maneira e já ressoou de tal modo com as pessoas, que lhe atribuíram toda uma série de significações que são muito profundas para elas, que o objecto em si já perdeu a importância.

AH: Mas o significado não deixa de ser aquilo que é o teu imaginário para o tornares no teu imaginário interior. E portanto já não discutes se havia ou não [o objecto original]. Há um Santo Graal qualquer em cada uma das pessoas que acreditam nele.

LM: E por isso tu dizes assim: “o Santo Graal é a perfeição da alma”. Pois. É uma ideia que decorre de uma idealização daquele objecto.

AH: É uma transposição, diríamos.

LM: Completamente. Portanto objectos como o Santo Graal, ou a espada Excalibur, ou, ou … (ri-se), ou por exemplo a Batalha de Ourique e o milagre que se deu quando D. Afonso Henriques viu Jesus Cristo nas nuvens que lhe disse “toma esta chagas para símbolo da tua nação” e [hoje] aqui estão as cinco chagas nas cinco quinas de Portugal, etc.; tudo isso são questões objectivas ou são ideias que depois evoluem? Houve objecto? Houve um Jesus Cristo pregado numa cruz, visto no céu [de Ourique], ou isso foi uma ideia criada a partir de uma impressão que pode ter sido perfeitamente metafísica, ou pode até ter sido ilusória? Mas a ideia em si passou a existir.

AH: Há um Santo Lenho quase em cada igreja. Há milhões de Santos Lenhos, há milhões de objectos…

LM: Se [a ideia] passou a existir e se temos as cinco quinas na nossa bandeira, a ideia passou a ser em si própria o objecto. Não há que discutir se houve Ourique ou não. Agora [a ideia] já teve a sua influência na história. Agora criaste o mito.

(continua…)

 

Pérolas de Segunda Época

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O “Pérolas aos Poucos” voltou à TVL. Começámos a nossa Segunda Temporada com alguma saudade. E alguma nostalgia. De facto, está já disponível o episódio intitulado “Que Saudades da Nostalgia”, onde exploramos o modo com designamos os sentimentos.

Talvez muitos não saibam, mas a nostalgia começou por ser identificada como uma doença melancólica, que atacava os soldados Suíços em serviço fora da sua terra. E só foi designada no século 17!

Já a nossa saudade é anterior e aparece escrita pela primeira vez nas Cantigas de D. Dinis. No programa exploramos um pouco as diferenças entre uma e outra e procuramos entender por que motivo o sentimento resistiu a ser designado, bem como o significado etimológico de ambas as palavras.

Praxes Académicas e Ritos de Passagem

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Esta Segunda-Feira a TVI-24 teve a gentileza de me convidar para o Programa “Discurso Directo” no qual se abordou o tema das Praxes Académicas à luz das últimas informações sobre a tragédia da Praia do Meco. O meu obrigado à Paula Magalhães e à TVI-24 pelo convite.

Antes de mais convém ressalvar que, não somente a minha intervenção na televisão como este texto, como ainda o Programa que se seguirá na série “Pérolas aos Poucos”, procuram abordar o tema na sua forma genérica e não expressamente o que aconteceu na Praia do Meco há pouco mais de um mês, não apenas porque a informação é escassa e pouco fiável, mas particularmente porque a dor dos pais e familiares de todos os envolvidos deve ser respeitada acima de qualquer outro facto, empalidecendo por isso todas as explicações e opiniões que pudessem ser emitidas e que deixa, assim, de fazer sentido.

Contudo, genericamente falando, as Praxes, a sua história, o seu fundamento e prática ao longo dos anos merece um estudo atento e uma reflexão profunda. Nos últimos anos tem sido trazida recorrentemente para os jornais e televisão pelos piores motivos e os abusos sucederam-se no passado, pelo que as opiniões no pressente são largamente desfavoráveis e facilmente manipuladas no sentido de pedir o seu fim imediato e sem apelo. Mas tal atitude é fruto de uma irracionalidade tão grande como muitos dos abusos que procura resolver, sendo por isso um posicionamento que, longe de resolver o problema, apenas o pode empolar ainda mais.

Dito isto, desejaria abrir o debate pela partilha do vídeo do Programa da TVI-24 “Discurso Directo”, de 27 de Janeiro de 2014, que vos convido a ver. Depois, se assim for do vosso agrado, poderão seguir-nos pela TVL já na Quinta-Feira e mais tarde complementar com um artigo mais circunstanciado onde poderei dar alguns dos links para que cada um possa seguir a pesquisa por si mesmo.

Assim e para já, aqui fica um resumo curto do “Discurso Directo” (3 minutos):

http://www.tvi.iol.pt/videos/14071410

E aqui de seguida fica a versão completa (48 minutos) com as chamadas telefónicas e reportagem:

Reconstituição do Ritual de Praxe de praia feita pela TVI-24 baseada na “Hora do Diabo” de Fernando Pessoa.

http://www.tvi24.iol.pt/…/meco-praxe…/1533037-4071.html

E ainda um documentário do Hugo Almeida que vê a Praxe por dentro. Está muito bem feito e recomenda-se vivamente. Ver o tema, agora por dentro, sem mediatismos nem embelezamentos. Recomendo:

Pérolas aos Poucos IV – A Luz

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EPISÓDIO IV – A LUZ

(excerto)

Alexandre Honrado: O pintor vai defrontar-se com a tela branca. E a tela branca permite-lhe todos os preenchimentos de luzes e até de omissões da própria luz. Aquilo que o pintor faz é um combate com a luz? Ou é uma revelação que vai ocorrendo e que vai extraindo da tela para iluminar-nos a nós, que vemos a tela?

Carlos Dugos: (CD): Há sempre um combate, não em relação à luz propriamente dita, mas em relação à subjugação dos materiais, da própria matéria. A pintura repete um processo alquímico fundamental, o “Solve et Coagula”. Nós quando pintamos, idealizamos a tinta, que deixa de ser simples matéria bruta para passar a ser uma ideia e ao mesmo tempo materializamos a ideia. Esses dois aspectos dão-se num único movimento. Mas o que julgo se trata essencialmente na pintura é das gradações da luz através da cor. Relativamente à luz e à cor eu sigo um conceituado que é Goethiano. O que ele nos explica e até se pode verificar, é que a cor não é mais do que o diálogo ou a dialéctica entre a luz e as trevas. Ele até explica que há duas cores fundamentais, que são o azul e o vermelho. Os azuis correspondem às trevas, são uma família de trevas e o vermelho uma família da luz. Depois há os intermédios. Há o amarelo, que é comum aos dois e o verde que é uma cor central.

Luis de Matos (LM): Nesse caso a luz é sempre facturante entre as trevas e a ausência de trevas?

CD: Sem trevas não há luz. Porque se houver só luz, não se vê absolutamente nada.

LM: A luz em toda a sua intensidade também é invisível.

CD: É. Completamente. Tanto quanto as trevas.

LM: Precisamente. Portanto não é possível contemplar a luz directamente. Pelo menos a luz essencial.

CD: Não é possível apercebermo-nos de nada se tivermos só luz.

LM: Sim, porque não há formas. Não há onde ela reflicta.

AH: Faz lembrar o Ícaro, que quer encarar o sol de frente e acaba por morrer dele.

(…)

CD: O Goethe explicava que a luz quando é vista através das trevas a expressão é vermelha. E é verdade. Ao fim do dia, quando há trevas a oriente, a ocidente onde o sol se põe tudo é vermelho. Quando as trevas são vistas através da luz é o azul que impera. Nós temos o negrume absoluto do espaço, mas como temos uma atmosfera iluminada, vemos o céu azul, embora ele seja negro. Isso é muito interessante para compreendermos o comportamento de cada uma destas famílias de cores. A própria cor, pelo menos para mim, os próprios materiais, as tintas, os pincéis começam a ser entidades quase como se fossem pessoas. São personagens.

LM: Personagens?

CD: Sim.  Eu já prevejo o comportamento delas. Sei o que é que sai dali, se posso juntar isto com aquilo sem haver zaragata… É muito engraçado esse lidar com uma série de personagens que vivem no meu atlier.

AH: Um pouco da família do pintor também está ali à volta?

CD: Sim, sim.

AH: Posso fazer uma pergunta ao Carlos, porque eu tenho aqui alguma curiosidade acerca da simbólica? Há um momento na simbólica em que não é trevas nem é luz, que é o prolongamento do próprio homem, dos seres todos iluminados, seres imateriais até e inorgânicos, se quisermos, que é a sombra. A sombra tem aqui um momento de charneira, de passagem. Tanto que falámos há pouco dos gregos e os gregos tinham um inferno com as sombras, não exactamente com as trevas. Depois as trevas aparecem noutra grandiosidade. As sombras são muito importantes neste seu trabalho?

CD: Sim. Claro, claro. A questão da sombra é que a sombra necessita de um grande equilíbrio. A sombra tem que ser suficientemente equilibrada para para o discurso… É difícil explicar… [Equilibrada] para haver harmonia no discurso, porque senão deixa de ser sombra, passa a ser só escuro.

LM: Como a pausa na música? Será idêntico?

AH: É essa a própria simbólica. A sombra pode passar a escuro se deixar de ser iluminada. Se deixar de ser o homem no seu prolongamento.

CD: Sim… Isso aí é muito complicado. A questão da sombra, das pessoas e dos animais, a sombra que projectam é muito usada na magia operativa, sobretudo na magia negra e africana. A sombra da pessoa é muito importante. A manipulação da sombra da pessoa corresponderia, teoricamente – não sei se na prática – a efeitos na própria pessoa cuja sombra é manipulada. Essa percepção de que a sombra é um outro “eu”, que é a projecção do eu que cria uma intecepção à luz, é muito interessante.

(continua…)

Pérolas aos Poucos I – O que não se vê

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E assim foi o primeiro programa. Ligeiro e fácil. Pode seguir-se online clicando na imagem acima. Eis alguns momentos para os que ainda não viram:

Episódio I – O que não se vê

Alexandre Honrado (AH): A vida não é silenciosa.

Luis de Matos (LM): A vida não é silenciosa… Mas não precisamos de procurar esse silêncio de vez em quando? Quando é que podemos ouvir a nossa voz interior para…

AH: (interrompendo) Precisamos para compensação, mas nunca é completamente silenciosa.

LM: Eu ia mais longe, acho que precisamos [do silêncio] para nos ouvirmos a nós mesmos. Quantas vezes a nossa corrente de pensamento é condicionada pelo que é exterior? Por esse ruído… Não se expressa sozinha.

(…)

AH: O Kant falava de uma coisa extraordinária, nós e o nosso imperativo categórico. Aquilo que para nós é irrefutável e que nós nem percebemos porque é que em nós está tão definido. Essa voz interior não é esse imperativo? Não é qualquer coisa tão categórica que tu tens de escutar de vez em quando senão não te entendes e não consegues ir em frente?

LM: Pode ser categórica, mas também pode abrir caminhos subjectivos.

AH: Menos categórica?

LM: Menos categórica. Acho que é a voz que os poetas às vezes ouvem.  (…) A vivência do silêncio é importante porque damos valor à expressão.  Cada vez que vamos quebrar o silêncio tem que ser por algo que valha realmente a pena.

(…)

AH: Portanto estamos aqui no campo da abstracção. No da capacidade de criar, porque nós só conseguimos criar se nos conseguirmos abstrair do que está à volta. Estamos aqui num espaço imaterial.

LM: Na minha opinião não é possível criar sem… a criação é sempre objectiva, é sempre física, eu desenho uma linha e é “a linha”. Mas antes de ser linha podia ser tudo. Ela tem de ser, antes de mais, abstracção. Tem de ser todas as possibilidades das quais selecciono uma para plasmar no papel, para plasmar na obra ou numa escultura… ou no livro que escrevemos. Antes de começar a escrever um livro eu nunca sei como é que vai acabar. Eu nem sei como é que vai começar!

AH: Sim, sim! Não sentes que às vezes o livro te comanda?

LM: Ah! Quantas vezes!

AH: E que te diz: “é por aqui que eu quero ir, não vou por outro lado e vamos acabar assim os dois”?

LM: Mas esse é o prazer de escrever.

AH: Eu sinto isso.

LM: Eu tenho um prazer enorme quando tenho realmente um bocadinho de tempo (…), que me sento [e penso]: “onde é que isto me vai levar hoje”? E rio-me à gargalhada porque são coisas que eu nunca pensaria [por mim mesmo].

AH: E voltas atrás? Agora que já fizeste cem páginas, não tens necessidade de ver “onde é que este personagem começou?”, “o que é que ele me disse aqui atrás?”

LM: Sim, à vezes, porque eles se tornam incoerentes. Eu sou um bocado incoerente. Então eles tornam-se incoerentes. À medida que vão andando na história e que vão criando novas situações, eu não consigo limitá-los demasiado. Porque senão eram fórmulas, não é? E escrever com fórmulas, como por exemplo Dan Brown, em que as personagens são formuladas e etiquetadas do princípio ao fim, e não há uma variação…

AH: (interrompendo) Mas estás a escrever um livro, não está a escrever um “Dan Brown”, espero…

LM: Não, não. Enfim, tem os seus mistérios, tem as suas maçonarias pelo meio… Mas eu tenho necessidade que a personagem evolua. Não gosto de etiquetá-lo. Por isso tenho de voltar atrás.

AH: Tens essa ideia da linha do tempo, em que o personagem também evolui à medida que conta a sua própria história. Vai envelhecendo contigo dentro do livro, é isso?

LM: Às vezes vai maturando, mais do que envelhecendo. Porque vai pensando em coisas que não tinha pensado até ali que, claro, vêm da nossa experiência pessoal que podemos distribuir por várias personagens, ou da experiência do mundo que vemos à nossa volta. Podemos distribui-la pelas várias personagens. Eu às vezes fico um pouco atrapalhado porque noto que escrevi algo que me apercebi de amigos meus e não fui capaz em conversa…

AH: Roubaste-lhes algum alguma coisa que colocaste numa personagem de ficção…

LM: Sem querer. Sempre sem querer. E quando leio digo “mas isto parece quase aquilo que eu tenho em intuição sobre um amigo, mas que não lhe disse”. Então sinto-me muito culpado e peço para lhe ler. “Tenho de te ler uma coisa”. (ri-se)

AH: E depois aparece o teu amigo João e diz: “Este personagem chamado João, serei eu?”

LM: “Serei eu”?!

AH: “Não, não, isto é ficção!”

Ambos se riem.

(Continua…)

A Nova Aventura

Perolas

Começa dentro de alguns minutos a emissão da minha nova aventura! Vamos lá ver o que sai daqui.

A culpa é do meu amigo Alexandre Honrado, que me convidou para criar um programa de conversa filosófica e esotérica para a TVL (tvl.pt), a TV Lisboa, um interessante projecto de comunicação online. Para já passámos uma tarde chuvosa de Outubro no estúdio em Lisboa, à conversa. Foi assim, sem dor, o parto do primeiro programa. Para os seguintes estamos cheios de ideias e há convidados (comparsas?) que estou morto por ter comigo. As conversas prolongam-se na tarde e a tarde na noite. Os assuntos são muito variados, mas serão sempre em redor do que está ao nosso lado e não vemos, ou se vemos, não passamos da superfície das coisas.

Já há uma página no Faceboo, para quem quiser ir estando informado dos convidados e dos temas: https://www.facebook.com/perolasaospoucostv

Para sugestões, não se esqueçam de usar o meu email: luiscarlosmatos@mail.com

Espero que passem uma meia-hora em boa companhia. E procurem as outras ofertas da TVL, que há muito de interessante para descobrir.

Finalmente, devo referir que o título, de que gosto muito, não é meu. É uma homenagem ao meu primo José Miguel Wisnik, conhecido autor e compositor brasileiro (de origem polaca), cujo álbum de há um par de anos atrás não consigo esquecer. Esteve cá em Portugal para um concerto na Culturgest e depois levei-o a jantar por Lisboa para uma longa noite de conversa comigo, a minha tia Olga Tulik e a minha mãe (que nunca o tinha conhecido). Foi fantástico. Entretanto a minha mãe já faleceu e aquele foi o último concerto a que fomos. “Pérolas aos Poucos” é um título muito profundo, cheio de significados, cheio de recordações. Aqui ficam as minhas, depois do José Miguel nos ter dado as dele.