6 Perguntas sobre o “Calepino Maçónico”, último livro de Luis de Matos

Calipono? Calupeno? Calíope? Mas afinal o que é um Calepino???

Eu também não sabia! Tinha vários em casa, mas não sabia! A ideia original era escrever uma pequena compilação de termos usados pelos Maçons e que o público em geral não conhece. Na realidade há uma linguagem própria da Maçonaria, como há, por exemplo, uma linguagem usada por algumas profissões – os tipógrafos, os músicos, os mecânicos, os médicos, etc. – que os “profanos” não conhecem. Todo aquele que não sabe usar os termos próprios é até visto com alguma desconfiança. O mesmo acontece na Maçonaria, que herda muitos termos e expressões do ofício de pedreiro, mas que os completa e amplia, dando lugar a um rico “shibboleth” (é este o termo correcto). Ora, um Calepino é um caderno de apontamentos, em geral composto de entradas que revelam essa linguagem cifrada. É uma espécie de Glossário manuscrito para uso do próprio autor. Quando me dei conta disso, lembrei-me que a maneira como eu mesmo fui aprendendo as inúmeras expressões foi assentando os significados em pequenos cadernos manuscritos que levava às sessões da minha Loja. Era nesses mesmos cadernos onde tomava apontamentos, elaborava esquemas simbólicos e deixava algumas reflexões que, mais tarde, colocava nas minhas Pranchas. O Calepino foi sempre um companheiro inseparável na Loja!

No livro defines 119 expressões usadas pelos Maçons. Queres dar exemplos?

Quando comecei a escrever pensei que iria encontrar umas 40 ou 50. Assim de cabeça podia citar algumas mais emblemáticas. Mas quando comecei a sistematizar o livro, apercebi-me que eram mais. Ao definir umas, inevitavelmente caía em outras. A lista foi crescendo e acabei com 119! Ou seja, muito mais do dobro do que estava inicialmente a contar. E podia ter colocado mais. Procurei não fazer um Dicionário (já há vários de grande qualidade), mas escolher as expressões usadas na Maçonaria que, noutros contextos, podem levar à confusão ou não ser sequer entendidas. É o caso do Oriente, que é mais do que uma direcção no espaço, da Coluna Sul, que é mais do que uma pilastra, do “estar a chover”, que é mais do que uma afirmação meteorológica, ou do Mestre da Harmonia, que não é bem um activista do Budismo Zen… Na Maçonaria o meio-dia não acontece sempre às 12h e a meia-noite nem sempre é às 0.00h. Parece estranho, mas não é. E todo o Maçon deve estar ao nível e pronto para um telhamento, porque os trabalhos decorrem “a coberto”, não numa vila ou cidade, mas “a Oriente” desta, conduzidos pelo malhete sábio e justo do Venerável. Por sorte, a Grande Dieta na Maçonaria não é um regime alimentar severo para perder peso, nem os canhões se carregam com pólvora nos Ágapes para matar ninguém, embora façam fogo! É mesmo um shibboleth muito particular. O livro ajuda todos os que se interessam pela Maçonaria a compreender a sua linguagem. Ajuda Aprendizes e Companheiros a entrar no imaginário simbólico da Ordem. Ajuda os Mestres a usarem os termos com o rigor que se lhes é exigido. Pareceu-me um serviço útil à Ordem, não disponível em muitas publicações.

Aproveitas algumas das expressões para contar algumas das tuas experiências pessoais. Até anotas algum do anedotário maçónico. É um livro auto-biográfico?

Sim, é verdade, conto alguns episódios verdadeiros passados comigo e recupero alguns que me contaram e que relato como anedotas porque não sei se são literais. São, no entanto, todos eles reveladores e, mesmo que divertidos, mostram o lado mais humano da Maçonaria, raramente destacado. É o caso da conversa que tive com o Guarda Externo numa Loja inglesa da capital, simpático velhinho que me acolheu à porta quando os fui visitar e depois não vi mais, uma vez começada a reunião; tendo-o reencontrado só no final, do lado de fora, percebendo só então que Guarda Externo significa isso mesmo: vai à sua Loja para não entrar! Fica do lado de fora! Na minha Loja e no meu Rito não é assim. Falo também de ocasiões em que visitei os trabalhos de outras Lojas fora de portas e onde aprendi muito. Nesse sentido há uma vertente auto-biográfica, embora não seja propositada. Tentei escrever de modo a que os meus leitores se consigam rever nas minhas palavras, de dentro para fora, como Maçon e não como Profano. Por isso há muitas passagens pessoais. É o livro mais pessoal que escrevi sobre este tema. Talvez por isso tenho tido reacções tão positivas. Em geral os meus leitores sentem a distância entre o autor e o leitor. Quando me dizem que leram um livro meu, mostram uma abstracção ao tema do livro e sei bem quando os levei a conhecer temas em que estão “sem pé”. E isso é bom. Quero levá-los onde habitualmente não vão. Foi o caso da “Maçonaria Desvendada” e do “Bestiário Maçónico”. Mas com o Calepino tenho tido reacções muito diferentes. São mais calorosas, mais pessoais, falam-me de passagens mais concretas, de que gostaram e querem saber mais. É um livro que liga a um nível mais emocional do que intelectual. Isto apesar de algumas passagens que contêm muitos níveis de leitura.

Publicas algumas das Pranchas que apresentaste em Loja ao longo dos anos. Queres destacar alguma?

A maior parte das minhas Pranchas nasceu em Calepinos. São o resultado de reflexões muito pessoais. Depois de as ter maturado em manuscrito, passo-as ao “papel” no Word e organizo as ideias de modo a podê-las expor para que sejam entendidas. Algumas das Pranchas são complexas e têm os tais níveis de leitura. Nem todas são directas e transparentes. Aprendizes irão experimentar leituras muito diferentes de Mestres ou mesmo de graus mais adiante. É o meu modo de escrever. Mas há Pranchas mais descritivas, factuais e acessíveis. Escrevo muito sobre a vertente histórica, sobre o simbolismo, o cristianismo e o hermetismo, que são assuntos que eu gosto de abordar de forma directa, aberta, desassombrada e simples, para quem tem conhecimentos elementares. Outras Pranchas passam totalmente ao lado de quem estiver a ler sem a atenção totalmente focada. O longo parágrafo que abre “A Liga do Embuçado – Portugal e a Missão do Porvir” deixou um silêncio pesado quando foi lido pela primeira vez. Um leitor recente, que tinha estado na apresentação original, há quase 10 anos, veio-me agora dizer que finalmente compreendeu o parágrafo! Mas se tivesse de destacar uma Prancha sobre um tema nunca abordado e com elementos inovadores é a “Maçonaria, Artes Cénicas, Ilusão e Magia”, que explora a influência do Teatro, da Ópera e do Ilusionismo no desenvolvimento do ritual maçónico, com interessantes exemplos. Deu-me muito gozo pesquisar o tema.

Publicas também uma Prancha que não é tua. Queres falar sobre ela?

Sim, publico um trabalho único, muito criativo e que ocupa um lugar especial no meu coração. A partitura de uma peça musical escrita pelo compositor Pedro Teixeira da Silva como trabalho de grau, intitulada “São Jorge”, mais tarde estreada na Igreja da Graça em Lisboa pela Orquestra Círculo de Música de Câmara, que pode ser vista aqui:

A peça foi oferecida pelo autor à Grande Loja Unida de Portugal, que a adoptou como seu hino, tendo a Grande Loja pela mão do seu Grão Mestre José Manuel Moreira e o autor Pedro Teixeira da Silva autorizado a publicação das partituras. Embora haja um número significativo de músicos e compositores ligados à Maçonaria em Portugal – mesmo os contemporâneos, em todos os géneros – é invulgar conhecer peças musicais compostas para a Maçonaria, especialmente como trabalho de grau. As partituras contêm as anotações sobre as melodias e movimentos e seus significados e são precedidas pela explicação do próprio autor. Esta originalidade justifica inteiramente a sua inclusão, que é a todos os títulos histórica.

O Glossário poderá ser utilizado para escrever Pranchas de Grau? Não tens receio de ser copiado por Aprendizes preguiçosos, que ficam com o trabalho facilitado, mas depois não vão citar a fonte?

Não, podem copiar à vontade! Na realidade eu não sou um autor muito bom para copiar, porque escrevo de tal modo que o meu texto é um ponto de partida e não um lugar de chegada. Ou seja, lendo as entradas no Calepino, fica feito o trabalho de base, que permite nortear outras leituras e pesquisas. É um veio que estrutura o pensamento e ajuda a destrinçar o que mais se venha a ler. Mas citar-me é um pouco inútil. Procuro ser um autor que abre caminhos em vez de ser uma vitrina de museu onde as coisas velhas são exibidas, muito alinhadinhas, com etiquetas que dizem “este objecto é ISTO”. Não quero que os meus leitores encontrem, como me acontece com alguns autores que não aprecio, becos sem saída. As minhas páginas não são o lugar de destino. Não são catálogos de definições e finitudes. Não. Quero que as minhas páginas sejam abertos e amplos Campos Elísios onde os meus leitores corram, rolem na erva e se apaixonem! Isso sim. Campos abertos em vez de becos sem saída. Lugares de partida em vez de gargalos doutrinais. É assim que procuro escrever.


O “Calepino Maçónico” não está à venda em livrarias.

PEDIDOS PARA: incursoeshermeticas@gmail.com

Também a Propósito da Reportagem “Segredos Maçónicos” da RTP1

1. O HORROR

Não tenho recordação de nenhuma reportagem feita por uma televisão nacional que tenha tido o impacto de “Segredos Maçónicos” exibida pela RTP1 no seu Linha da Frente a 6 de Fevereiro de 2020. O meu telefone não descansa, o meu mail está cheio, os serviços de messenger estão em overload. Os meus amigos e muitos dos meus leitores querem saber como é que apareci na reportagem e muitos se perguntam o que faço na Nova Maçonaria Portuguesa (assim se apresenta a Soberana, a Grande Loja que abriu as portas às câmaras). Tenham lá calma. Estive no ar 20 segundos!

Talvez seja boa hora de colocar alguns assuntos em dia.

De facto a reportagem é controversa. Mesmo o Grão Mestre da Grande Loja Soberana publicou no site da Obediência uma mensagem de fundamentação de algumas das opções seguidas ao abrir a sua sede, porque mais vale esclarecer e enquadrar do que deixar à imaginação de cada um o que terá a RTP filmado de uma sociedade tão secreta como a Maçonaria! E chamo-lhe controversa pelas reacções, adversas na sua maioria pela parte de Maçons e favoráveis pela parte do público, especialmente do meu público leitor que já está habituado a saber que pouco do que é maçónico fica hoje escondido. Mais sobre isto adiante.

E as reacções surpreenderam-me porque, em quase 30 anos de Maçonaria, já vi reportagens portuguesas dentro de rituais maçónicos, totalmente filmados de ponta aponta (a célebre reportagem da RTP em 1992 no Hotel Estoril Sol em reunião magna da então Grande Loja Regular de Portugal), várias reportagens nos Congressos que por cá se realizaram com acesso à parte litúrgica, até uma reportagem para um canal privado novamente no Estoril Sol em 1996 por ocasião da tomada de posse do Grão Mestre da GLRP. Lá fora então, recordo-me de tudo, desde a reportagem completa da comemoração dos 275 anos da United Grand Lodge of England em 1992 em Earls Court até à mais recente comemoração dos 300 anos com um ritual que teve lugar no Royal Albert Hall em 2017 – tudo filmado, é procurar no Youtube.

Ou seja, a internet veio colocar uma lupa sobre Maçonaria. Não apenas no que respeita às fotografias, livros, rituais, informação verdadeira e falsa, mas igualmente nas plataforma de vídeo como o Youtube ou Netflix e nas redes sociais.

Assim, podemos dizer que há dois tipos de Maçonaria no mundo hoje: as que estão em negação e pensam que podem viver à parte, sem escrutínio, sem que a curiosidade que incentivam com um secretismo mal explicado exija uma abertura à sociedade que dizem querer mudar e as que fizeram uma longa introspecção e, não desejando ser varridas para debaixo do tapete das irrelevâncias históricas e curiosidade museológicas, abraçam o novo mundo e a revolução digital sem comprometer os valores e o direito à privacidade que essa revolução veio por na ordem do dia. E destas, seguramente que a Grande Loja Unida de Inglaterra e algumas Grandes Lojas Americanas têm tomado uma dianteira que iria chocar 90% dos que se me têm manifestado nos últimos dias por causa do Linha da Frente. Quem ficou na estação e viu o comboio partir é capaz de ficar abalado com o título do Irmão David Staples da United Grande Lodge of England.

Um exemplo curto:

Há uma enorme falta de informação e ligação à actualidade. Estamos a ficar para trás. A marcar passo. Outro exemplo do que se faz lá fora:

Então e Portugal? Tem a Maçonaria conseguido fechar portas e manter os Templos e os rituais escondidos?

Como autor, tenho a obrigação de dar aos meus leitores informação fidedigna. Reclinem-se nas vossas cadeiras ou deixem o que se segue para ouvir a caminho do trabalho no vosso telemóvel. É extenso. Não é a primeira vez que a Maçonaria “abre as portas”. A presente Reportagem deve ser comparada com o que já foi feito.

Querem fazer comigo uma viagem à avenida das memórias?

Cá vai:

Avivou a memória? Abrem-se Templos, explicam-se símbolos, fala-se de história, fala-se paramentado, vê-se tudo, mesmo o que devia ficar reservado, vêem-se cadeias de união, rituais, deambulações na Loja, a música é grave e taciturna, tictacteia-se à volta do segredo (Segredo? Não há segredo! Discrição…), há várias organizações e muita gente diferente. Nem tudo é mau. Mas tudo é meio obscuro, fechado e pretérito.

Atenção que isto é um assunto sério! Até hoje a Maçonaria não percebeu que, se quer fazer parte da Sociedade, tem de fazer a sua parte para que a Sociedade a perceba. E a comunicação é chave. Deve ser positiva, diferenciadora e não deve esperar pelo ruído mediático dos escândalos nem ser feita à custa das rivalidades entre Obediências (que o público em geral, naturalmente, não distingue). Assim tem sido a comunicação maçónica nos meios informativos em Portugal.

Quem conhece estes e outros vídeos, como pode estar a mandar-me, logo a mim, mensagens sobre eu aparecer no Linha da Frente durante 20 segundos? Será que há algo mais subversivo no Linha da Frente, que os não-maçons não apanham?

Será, talvez, que haja quem tenha preferência por isto?

Ou mesmo, isto…

É que, caros leitores, na era digital, do Facebook e do Youtube, não são as Obediências Maçónicas que fazem a agenda. O conteúdo sobre elas é criado livremente por quem precisa de vender clicks. E por gente com a mania da perseguição. E por fanáticos. E até, imagine-se, por membros das Lojas! E é por isso que a revolução digital não se pode ignorar, porque não se vai embora. Veio para ficar.

E ficar! Uma história num jornal online fica para sempre e pode sempre encontrar-se googlando. Boa ou má. Certo, certo, encontram-se mais histórias más do que boas. Mas isso acontece porque é aos Maçons que compete divulgar as boas. E eles não o fazem com frequência. A desinformação online sobre a Maçonaria diz muito da formação dos Maçons e da sua incapacidade para enfrentar a realidade. Coloca-se tudo no Facebook. Há milhares de imagens de cerimónias, templos, Lojas em sessão, paramentadas e em pleno ritual. Partilha-se tudo. E mais uma vez a Grande Loja Inglesa vais à frente. É ver aqui e é só seguir o bom exemplo. Mas não… Vamos fechar os olhos a ver se passa…

Suspeito que o HORROR de que falo acima, o que chocou os muitos Irmãos e Irmãs que me enviaram mensagens, mas também o que agradou aos não-maçons, não foi a abertura dos Templos, nem as entrevistas com avental, nem deixar falar os Aprendizes, nem ver-se uma Loja por dentro. O HORROR foi a tal atitude de “Nova Maçonaria”. Foi o perceber-se que a Reportagem não é uma peça orientada, que o que se vê é genuíno, não é preparado, não é um infomercial, não falam só os chefes, há muitas caras desconhecidas e correntes, gente que se cruza connosco na rua e igual a nós. Foi o assumir-se um preço elevado pela iniciação (tabu bem conhecido), deixar explícito que sem dinheiro não há meios (todos sabem disso, mas fica sempre nas entrelinhas – dinheiro?! Que horror!), mostrar-se um leilão solidário (que muitos também fazem à porta fechada), ver-se que não há pudor em convidar um sem-abrigo a jantar e falar, dizer que impacto as acções solidárias tiveram (muitos também as fazem, mas a sandezinha não é transformadora e iniciativas não são obra), foi a falta na Reportagem de Gestores Públicos, autarcas, políticos, deputados, Secretários de Estado, gente emproada que tem por profissão gerir o nosso pecúlio.

Essa nova atitude, corte radical com as imagens históricas que vemos acima e que eram muito boas no seu tempo, é a realização de que de futuro a Maçonaria tem de estar mais próxima do mundo sem comprometer a sua missão espiritual e transformadora, constituída por gente excepcional pelas suas inquietações e leaders no seu metier, mas não comprometidas com lobbies obscuros ou interesses desfasados dos valores Maçónicos e capazes – repito: CAPAZES – de dar a cara e se fazer conhecer como Maçons. A ruptura com o passado pela celebração da história. Isso é o que instiga o HORROR.

Os tempos andaram para a frente mais de 100 anos nos últimos 15. Já nada é igual e quem não evolui, perde-se na irrelevância.

2 – MAS TU ESTÁS NA SOBERANA?

E apesar da defesa intransigente da Reportagem, não, não sou membro da Soberana. Sou autor de vários livros onde tenho publicada a minha filiação de várias décadas ao Rito Escocês Rectificado e, na última década, à Loja Adhuc Stat!, nº5 do Grão Priorado Rectificado de Hispania.

A resposta é não. Basta ver como sou apresentado.

Foi durante as gravações do Podcast “Assunto Sério” da Soberana, para o qual fui amavelmente convidado para falar sobre assuntos como o Quinto Império, a Geometria Sagrada, o Rito Rectificado, etc., como autor (ver aqui, aqui e aqui) que me pediram para dizer umas palavras sobre Maçonaria. Colaborei com todo o gosto, porque sou neutral em absoluto relativamente à Maçonaria Portuguesa, querendo apenas que ela prospere.

Já colaborei em eventos e iniciativas diversas (debates, palestras, cursos, visitas guiadas, apresentações, etc.) com a maioria das cerca de 20 Obediências Portuguesas, designadamente a Grande Loja Regular de Portugal (de que fui um dos fundadores)/GLLP, Grande Oriente Lusitano, Grande Loja Simbólica (ambas), Grande Loja Unida de Portugal, etc. Sou de fora, equidistante, “igualmente amigo do rico e do pobre desde que sejam boas pessoas”, tenho leitores em todas a Obediências, não me meto em assuntos internos, não comento sobre questões litúrgicas. Único desígnio: que a Ordem prospere. SOU INDEPENDENTE. Para quem sabe ler, está tudo dito.

Ora, isso é visível no forma como fui titulado “Escritor/Maçon” face aos outros intervenientes, com os seus aventais, graus e funções bem explícitos:

Finalmente há um plano em que apareço em modo casual, de polo, frente à mesa de som do Podcast, em claro contraste com todos os outros intervenientes.

Parece-me evidente que é implícito que sou um convidado e não falo em nome de ninguém a não ser eu mesmo.

E o que foi que eu disse nos meus 20 segundos de antena?

“Cada vez que um Maçon, de qualquer lado, se mete em negócios escuros, está a meter todo o nome da Maçonaria em negócios escuros. Portanto ele deve ser punido por isso”.

E ainda:

“Nenhuma organização – nenhuma – de nenhum tipo, associativa por exemplo, [como] os Bombeiros de Sintra ou seja quem for, pode assegurar-se que aqueles que são sócios se portam bem. É muito raro – dos casos todos que nós conhecemos – é muito raro haver um conjunto de Maçons que se juntou [com o propósito de] fazer qualquer coisa que é ilegal; porque se tivesse sido assim, teriam sido presos por associação criminosa”.

Ora, esta posição está já expressa no meu livro “Maçonaria Desvendada – Reconquistar a Tradição”, de 2011. Veja-se o que publiquei aqui sobre o caso Loja Mozart a seu tempo. Por isso nada de novo. No mais não tive intervenção.

3 – MAS TU ESTÁS COM A SOBERANA?

Essa é outra questão. Não sou da Soberana, mas estou com a Soberana como sempre estive com todos os ramos da Ordem Maçónica que trabalham para o seu progresso. Sei que há poucos como eu. Não tenho a pele em nenhuma contenda e comparto o pão à mesma mesa com irmãos e irmãs de todas as tendências maçónicas. Quem achar que me tem, desengana-se depressa. Sou livre. Não participo de nenhuma estrutura de poder em Portugal, por isso nada tenho a ganhar ou a perder nas rivalidades. Não são minhas. Onde houver bom e seguro trabalho Maçónico, se o GADU assim entender, eu estarei lá. Assim, estou com a Soberana.

Maçonicamente filiei-me há anos à família Rectificada espanhola por afinidades espirituais e por ter trabalhado como CEO de uma companhia em Madrid muito tempo. Não desejo deixar essa filiação num Regime que me agrada e que entendo como uma jóia excepcional. Mas é esse meu compromisso que me leva a aceitar os diversos pedidos de ajuda e informação, conselho e apoio que me vão chegando de todos os amigos que fui fazendo na Ordem. E por isso, quem estranhe que a minha amizade fraternal com o Grão Mestre João Pestana Dias me leve a acompanhar de perto o seu trabalho e o que a Soberana está a fazer, apenas me deve contactar e convidar-me para os seus debates, Podcasts, visitas guiadas e o mais, que eu lá estarei igualmente com prazer. Não faço descriminações. Sou Independente. Sou largo e pesado e chego para todos! Não vale a pena cenas de ciúmes.

A esta minha atitude fraternal para todas as Obediências, adiciona-se o facto de o Grão Priorado a que pertenço ter assinado um Tratado de Amizade com a Soberana há poucos meses, por iniciativa do seu Grão Mestre Diego Cerrato, que é muito judicioso e prudente nestas coisas e que escrutinou em detalhe a Obediência antes de nos permitir (à Loja a que pertenço) usar as instalações desta para reunir. Já reunimos em outras instalações e nunca tive as perguntas e reacções de surpresa que recebi agora!

Ou seja, não pertenço à Soberana. A Loja – estrangeira – a que pertenço reúnem em espaço gentilmente cedido por esta. Em outras organizações de carácter fraternal em que estou, tenho uma relação próxima com muitas outras Ordens e Obediências que prezo muito. Nas Jornadas Templárias em Lagos do ano passado esteve a meu convite um Grão Mestre Adjunto do Grande Oriente Lusitano e o Grande Conselheiro da maior organização Rosacruciana Portuguesa. Templos e lugares de reunião têm sido gentilmente cedidos por Lojas e Associações que têm Irmãos na sua composição em todo o país para um largo leque de actividades. É ver a minha agenda para ter noção das que são públicas.

4 – A NOVA MAÇONARIA PORTUGUESA

Pois, aqui é que está o nó.

Tal como em todas as situações em que o hábito se sobrepõe à finalidade, há vários incumbentes que vão repetindo padrões de comportamento que os isolam do ambiente em que vivem e os alheiam do desígnio, até que uma formulação disruptiva apareça e venha actualizar os meios e os métodos, repondo a finalidade. Historicamente, os gigantes que não se adaptam encontram a irrelevância e definham lentamente. Em geral os incumbentes combatem os disruptivos em vez de fazerem uma auto-análise e darem um passo em frente. Foi assim que a Igreja acendeu as fogueiras da Inquisição na sua Contra-Reforma em resposta às questões levantadas por Lutero e outros. Quem quer manter o status nem sempre saber reagir e crescer quando muda o “quo”. Mas há notáveis excepções.

Ora, o mundo Maçónico Português é essencialmente composto de incumbentes e cisões de incumbentes por motivos ligados ao hábito (em raros casos, à finalidade), os quais hábitos são transportados para as novas organizações (que rapidamente têm resultados idênticos às antigas).

Na nova edição que estou a prepara do meu livro “Quero Saber – Maçonaria” onde faço uma análise da Maçonaria Portuguesa actual na sua totalidade (fui o primeiro a listar os contactos e dados das 15 Obediências a trabalhar em Portugal à época da 1ª Edição [2013] – hoje devem ser mais de 20), falo das três principais novidades que emergiram nos últimos 7 anos:

  1. O surgimento do Rito Português e a sua história (não confundir com o Rito Eclético Lusitano do século XIX)
  2. A tendência de redução do tempo de mandato dos Grão Mestres
  3. A presença da Maçonaria no mundo Digital, incluindo Redes Sociais

Não vou de momento desenvolver os pontos 1. e 2., anotando apenas que até ao momento, desde o século XVIII, a Maçonaria Portuguesa alinhou-se sempre por dois eixos – divergentes desde o final do século XIX – o eixo Francês, especialmente através das relações fraternais com o Grand Orient de France, ainda hoje uma referência mundial na Maçonaria laica e adogmática, cujo principal exemplo é o Grande Oriente Lusitano; e o eixo Inglês, através das relações fraternais com a United Grand Lodge of England, representado na Grande Loja Legal de Portugal/GLRP. Ainda assim, mesmo movimentos mais recentes como as Obediências que praticam o Rito de Memphis-Mizraim, bem como a Grande Loja Feminina de Portugal, o Direito-Humano, entro outras, mantêm laços fortíssimos com as suas congéneres francesas. Ou seja, até à criação do Rito Português na Grande Loja Legal de Portugal/GLRP (que já não o pratica), toda a Maçonaria Portuguesa era… estrangeira…

No que toca ao ponto 3., a evolução deu-se em três períodos e vertentes. Desde logo houve uma desconfiança absoluta das Obediências face aos novos meios e, à parte os entediantes sites institucionais, houve sempre uma presença ausente ou monolítica. Com o surgimento do Facebook e a popularização do Youtube, foram os Maçons (e não as Obediências) que começaram a partilhar conteúdo, muitas vezes de forma indecorosa, mal informada, devassando o direito ao anonimato e à revelia de todos os juramentos ou da simples prudência, não obstante de forma entusiasta e frequente!

Irmãos das mais distintas Lojas e Obediências trocam hoje informação, fotografias, coscuvilhice interna no Whatsapp, Messenger e outros, sem respeito pelas egrégias determinações superiores de “estes são reconhecidos mas aqueles não”. Só mesmo a cegueira voluntária pode explicar que a “lepra maçónica” que está implícita em declarações do tipo “esses não são regulares” ou “esses estão proibidos de ter relações connosco” possa ter qualquer eficácia real no mundo digital de hoje…

Domage! Não há maçon ou Maçona que não tenha amigos e amigas, irmãos e irmãs, em múltiplas Obediências que se degladeiam entre si e fomentam zangas de anos, mas com os quais têm uma amizade sã, fraterna e profícua. Não é infrequente encontrarem-se “profanamente” e cultivarem a fraternidade maçónica fora do mundo institucional, não compreendendo (porque não é de fácil explicação!) porque motivo não podem encontrar-se lado a lado no Templo da Fraternidade Universal. É que hoje reconhecem-se online. Estão em contacto o tempo todo. Têm afinidades maiores do que as diferenças e entendimentos muito próximos sobres os assuntos que lhes interessam. Ou seja, em conclusão, há um mundo ilusório, de convenções e ufania, segregado, isolado, controlado pelas Obediências com os seus Decretos que nem os seus Grão Mestres, em muitos casos, seguem à risca; e depois há o mundo real (com base na comunicação virtual digital) em que a fraternidade global se corporiza, trabalha, age no mundo, se associa e vive, que escapa ao controlo das Lojas.

É este estado de coisas que leva a que, numa terceira fase, algumas Obediências começassem a pensar este assunto muito a sério. Recordo-me de trabalho muito avançado que conheci na Grande Loja de Filadélfia e na Grande Loja de Nova Iorque já em 2009, quando os templos começaram a esvaziar-se e o interesse na reunião cara a cara e depois mais um jantar dispendioso começou a diminuir. Na Europa foi a Grande Loja Unida de Inglaterra que liderou a mudança. Fez estudos profundos e abriu discussões aglutinadoras. Numa visita a uma Loja em Great Queen Street em 2010, habitualmente preocupada com a avançada idade da maioria dos membros, ouvi uma excelente comunicação acerca da renovação dos meios e métodos sem comprometer a integridade do Ritual e da Maçonaria, no sentido de apelar a membros mais novos da comunidade.

Todos este esforços deram resultados. Podem ser consultados nos websites das respectivas Grandes Lojas e uma pesquisa atenta mostrará múltiplas iniciativas de ligação ao mundo através das plataformas digitais, sempre sem comprometer o que é, sempre foi e será a Maçonaria. Do mesmo modo, podem encontrar-se diversos exemplo de referência no âmbito da multimedia, seja no Netflix ou em canais cabo (veja-se Lodge 49 na AMC americana). O Supremo Conselho Americano Jurisdição Sul em Washington deixou de ser monolítico e tem convidado canais de televisão de referência assim como produtoras de longas metragens, autores como Dan Brown e outros, a usarem os seus Templos, Museus, Bibliotecas e Auditórios para eventos. A Grande Loja Inglesa decidiu que a sua sede em Londres, no bairro contíguo ao dos teatros, deveria ser o maior e mais ilustrativo cartão de visita da Maçonaria. Vejam-se alguns exemplos em que o espaço foi cedido a título comercial, abrindo portas.

(Click to download: páginas 18 e seguintes)

Ou:

Mas mesmo os mais conservadores não poderão deixar de admirar a grandiosidade e a segurança nos seus valores – porque é preciso estar-se muito seguro do que se é – da Grande Loja Inglesa ao ceder os seus Templos à Maçonaria Feminina Inglesa – com a qual não tem relações litúrgicas!

Ai se fosse cá!

Notaram seguramente que é o Grande Templo em Londres e que há câmaras a filmar.

Em todas as críticas que ouvi, a vasta maioria vinda de meios Maçónicos que se sentem ultrapassados por uma Obediência que a reportagem caracteriza como “pequena”, “recente” e “não reconhecida”, ressalvam questões (questiúnculas) irrelevantes e já tratadas há muito, como fica demonstrado acima: imagens dos Templos, Maçons de avental, teatralização de passagens rituais (que até estão disponíveis na net), dar acesso aos meios de comunicação, eventos brancos, etc. Nada de novo e nada que Obediência nacional alguma possa objectar em face da prática que tem sido recorrente. Alguma coisa do que constitui o âmago da Ordem foi exposto ou profanado? Não creio.

O que está em causa é uma sensação de ultrapassagem por quem não é um incumbente. Tão só isso.

Não sou da Grande Loja Soberana. Estou com ela, como estou com todas. Convidem-me que eu apareço. Peçam-me que trabalhe para vós, e lá estarei. Sem favoritos.

Agora, meus caros, está na hora de ir trabalhar e mostrar que o Nova Maçonaria Portuguesa se estende por muitas Lojas e Obediências, tirando o simbólico chapéu à Reportagem da RTP. O que é, é.

Trabalhinho de casa bem feito e chega-se longe. Abrir as janelas, deixar sair o ar bolorento e começar um novo dia. Se os incumbentes olharem para a frente sem erguer tapumes e barreiras artificiais onde os seus membros só vêem campo aberto, num instante a Maçonaria Portuguesa recupera o lugar que é seu na sociedade.

Até lá, este é o novo standard.

Basta perguntar ao google.

Tratado de Amizade entre Grande Loja Soberana de Portugal e Grão Priorado Rectificado de Espanha assinado em Lisboa

Após cerca de 3 anos de actividade sem templo fixo, a JPL Adhuc Stat!, nº 5 do Grão Priorado Rectificado de Espanha (GPRDH) retoma as suas reuniões regulares no Templo Portugal gentilmente cedido pela Grande Loja Soberana de Portugal, ao abrigo do recente e histórico Tratado de Amizade celebrado entre ambas as Potências, solenemente assinado em Lisboa, no solstício de Verão de 2019.

Em cerimónia memorável, o Sereníssimo Grão Mestre do GPRDH, Diego Cerrato Barragan, acompanhado pela sua comitiva, foi recebido pelo Muito Respeitável Grão Mestre João Pestana Dias em Sessão de Grande Loja que teve lugar num dos mais emblemáticos espaços museológicos portugueses – a antiga sala do Picadeiro Real e Museu dos Coches, parte do complexo do Palácio de Belém – procedendo-se à assinatura do Tratado. Este documento, reproduzido adiante, além do seu valor artístico já que, segundo a antiga Tradição Maçónica, foi devidamente desenhado à mão, caligrafado e folheado a ouro sendo exemplar único, do qual duas reproduções foram impressas e assinadas, tem um valor simbólico extraordinário, já que consubstancia o apoio e a amizade mútua entre dois dos projectos mais inovadores e ao mesmo tempo tradicionalistas da Maçonaria universal em terras Ibéricas.

A Loja Adhuc Stat!, nº5, a Oriente de Sintra, viu as suas colunas erguidas em Outubro de 2011 e tem sido um lugar de trabalho e união fraternal na mais estrita prática do Regime Escocês Rectificado, sendo a única em Portugal que segue com rigor e exactidão o Código das Lojas Reunidas e Rectificadas de 1778, o qual sistematiza um sistema de 4 graus e a Ordem Interior, num sistema integral e coerente, sob uma mesma orientação. Outros legítimos herdeiros deste Rito, nomeadamente em Portugal, em consequência da organização da Maçonaria Regular, partem o Rito Rectificado em 3 partes, com as Lojas Azuis de 3 graus, as Lojas Verdes de Santo André e a Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa. Ambas as formas de organização subsistem no mundo, particularmente em países de expressão portuguesa, francesa e espanhola, embora haja outros exemplos mais além.

Os interessados neste antigo Rito Maçónico, a que estiveram ligadas figuras incontornáveis da espiritualidade europeia setecentista como Jean-Baptiste Willermoz, Louis-Claude de Saint Martin e outros, podem pedir mais informações e uma cópia do estudo “Rito Escocês Rectificado – Noções Básicas” enviando um email para:

jpladhucstat@gmail.com

Os interessados em conhecer as actividades da Grande Loja Soberana de Portugal poderão visitar a sua página aqui: https://www.glsp.com.pt/ e subscrever o canal de youtube aqui: https://www.youtube.com/watch?v=T2NG853wIzQ&t=7s

6 perguntas sobre o “Bestiário Maçónico”, o último livro de Luis de Matos

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De onde surgiu a ideia de fazer uma compilação dos animais simbólicos presentes nos ritos Maçónicos?

Já foi há uns anos. Estava a estudar o simbolismo do Leão, porque faz parte central do Rito Escocês Rectificado, que me interessa especialmente. Há muitos dicionários maçónicos e simbólicos, mas a maioria das vezes não ajudam muito. Por exemplo, em quase todos os casos, relativamente ao Leão, referiam que estava num quadro do 4º grau do Rito Escocês Rectificado, junto a uma legenda em latim. Ora, isso já eu sabia. Era por isso que procurava o significado… Era como ir a um guichet de informações perguntar como chegar ao Rossio e dizerem que fica na Praça D. Pedro IV, também conhecido como Rossio, bastando para tal dirigir-me ao Rossio!… Outros dicionários entravam na vertente alquímica, com a relação entre o Leão e os ácidos. Certo, certo. Mas é na Maçonaria? De onde aparece. O que significa? Que motivo levou a que fosse ali colocado? O livro surge então numa tentativa de responder a esta questão. Aos poucos começaram a aparecer outros animais e, puxando pelo fio, fui encontrando mais e mais. No início ainda pensei que já haveriam Bestiários Maçónicos publicados. Há uma sólida tradição de Bestiários Medievais muito interessantes, quer do ponto de vista lendário, quer iconográfico. Mas não encontrei, quer em Portugal, quer nos estrangeiro, nenhum que fizesse a lista dos animais que aparecem nos rituais da Maçonaria e o seu significado. Isso tornou o projecto ainda mais aliciante. Depois falei com o pintor Pedro Espanhol, desafiando-o a criar uma sequência de quadros sobre o mesmo assunto, visto da sua perspectiva muito única. A capa do livro faz parte dessa sequência. No fundo é um contributo muito simples e muito inicial para uma área de estudo ainda não sistematizada. Espero que o livro inspire outros autores a ampliarem não só a lista de animais, como o seu significado. Fica o convite.

Os rituais maçónicos referem assim tantos animais, que cheguem para um livro?

Sim. De facto inicialmente pensei em fazer apenas um artigo de fundo para alguma das publicações em que colaboro. Mas este trabalho obrigou-me a voltar à sequência de graus dos muitos sistemas de ritos e altos graus da Maçonaria. Muitos não são praticados em Portugal. Outros já não estão em uso em nenhum lugar do mundo. Foram muitos meses a decifrar rituais, imagens, esquemas simbólicos, catecismos de graus, manuscritos. Aos poucos apareciam os animais. O livro refere 32 diferentes, a que se acrescentam 3 ordens de seres sagrados, além de fazer um estudo acerca da evolução dos Altos Graus maçónicos e do uso de animais como artifício simbólico. Quando dei por mim, estavam escritas quase 300 páginas. Tivemos de usar um formato de livro maior, não apenas por causa das ilustrações, como pelo texto, conseguindo reduzir assim a 250 páginas. Durante os últimos anos trabalhei para uma empresa americana de videojogos e as longas viagens de avião sobre o Atlântico e na Europa foram uma constante. Uma porção significativa do livro foi escrita em aeroportos à espera do voo e no ar! A revisão final foi feita em tempo de retiro próximo de Tomar.  Ainda assim é o livro mais volumosos que escrevi até agora.

Quais são os animais mais conhecidos usados simbolicamente nos graus maçónicos?

O Rito Escocês Antigo e Aceite apresenta dois que quase todos leitores reconhecerão de imediato: o Pelicano e a Águia Bicéfala. São símbolos tão antigos e tão polissémicos que os encontramos em muitos outros contextos. O Pelicano, por exemplo, é o símbolo do Montepio Geral, instituição criada por maçons no século XIX. Já a Águia Bicéfala aparece como símbolo proeminente na Igreja Ortodoxa, sendo frequente vê-la coroando cúpulas na Rússia. O símbolo tem um significado arquetípico, que é o seu eixo simbólico. Depois tem um significado contextual, dependendo de como é usado relativamente a outros símbolos. Os ritos maçónicos tomam muitas vezes o significado arquetípico e depois expressam mensagens simbólicas própria nos diversos graus. Um exemplo é o Cordeiro, usado frequentemente. Em alguns casos, como no Rito Escocês Antigo e Aceite, aparece como o animal que repousa sobre o livro lacrado com os Sete Selos, tal como referido no Apocalipse. Noutros, como no caso do Rito Escocês Rectificado, aparece em glória, com o estandarte da Jerusalém Celeste. O Rito de Mamphis-Mizraim, de inspiração Egípcia, vai igualmente buscar vários animais, entre eles a Fénix, símbolo da imortalidade. Já referi o Leão, podia ainda referir a Abelha com o a sua colmeia e a Serpente, que encontramos muitas vezes na rica iconografia de aventais setecentistas, em quadros de Loja e outras fontes mais efémeras, como convocatórias aos trabalhos, circulares, diplomas, jóias distintivas, etc.

Sendo o simbolismo maçónico essencialmente geométrico, porque recorreram os maçons ao simbolismo animal?

O simbolismo geométrico e arquitectónico é a base de todo o simbolismo maçónico. Ele é usado para expressar as leis que governam o Universo e enquadrar o Homem na criação como um ser que participa de uma dada ordem das coisas. “Ordo ab Caos”, motto presente no Rito Escocês Antigo e Aceite, reafirma essa noção. Deste modo, a geometria, imutável e baseada em princípios verificáveis e constantes, dá um vislumbre sobre o Universo. Mas o processo iniciático, de aperfeiçoamento e melhoramento interior, tem como objecto o Homem. E ele é totalmente fluido e volátil. Está em permanente mudança, mimetizando-se em “pessoas” distintas ao longo da sua vida e enfrentando dentro de si versões rebeldes e desobedientes de si mesmo. Quem já tentou deixar de fumar sabe que é assim. Quem já se deu por si em situações – boas ou más – sem que percebesse como ali chegou, sabe que há camadas ou níveis de consciência de si mesmo e das decisões sobre si mesmo que variam com o tempo, o lugar e o contexto. Umas vezes esse “eu consciente” é suficientemente capaz de tomar decisões racionais. Outras vezes é obscurecido, num processo de eclipse, por um outro “eu”, menos racional, que tendencialmente toma decisões ligadas à herança animal que carregamos em virtude da evolução que levamos neste planeta. São decisões instintivas, que fazem um by-pass à racionalidade. E em geral são essas que nos conduzem a intermináveis problemas. Ora, desde há muitas gerações que essa natureza animal, inconsciente e maioritariamente instintiva, é simbolizada por animais. Todos sabemos que Ricardo Coração de Leão não era um cobarde. Todos sabemos que Cristo é “o Cordeiro de Deus”. Todos queremos que o nosso jogador de futebol favorito seja “uma fera”, mas sabemos bem que, quando as coisas correm mal, “os ratos são sempre os primeiros a abandonar o navio”. A tradição de usar os animais como metáforas e, em seu redor, construir alegorias sobre o comportamento humano, é longa e antiga e a Maçonaria foi beber a essa fonte tradicional.

Houve algum animal que o surpreendesse?

Sim. Eu sabia que o simbolismo da Serpente era muito versátil e muito usado em todo o tipo de contextos. Contudo não esperava encontrar tanto material simbólico à minha disposição. A imagem que transparece da maneira como a Serpente  foi usada simbolicamente surpreendeu-me. Bastará dizer que ela, ao mesmo tempo, é temida pelo veneno mortal e usada como símbolo da farmácia… Doença, morte e cura ao mesmo tempo. É o animal que acompanha os sábios e que é esmagado como o mal absoluto pelos santos. Essa contradição aparente é muito interessante. Surpreendeu-me também o uso da Borboleta no 5º grau do Rito Escocês Antigo e Aceite. É associada ao sopro vital que é exalado pelo Mestre Hiram ao morrer. A imagem é muito poética e em algumas jurisdições – em Portugal este grau é comunicado e não praticado – é cantado um Hino Fúnebre muito inspirador, que publico no livro.

 

O que pode o leitor aprender com este Bestiário?

O leitor em geral pode perceber como e porquê os animais foram usados como símbolo desde tempos imemoriais para transmitir alegorias sobre o comportamento humano inconsciente. Todos os que se interessam por simbolismo, em qualquer vertente, têm aqui muito que explorar. Quem se interessa pela condição humana e pelos seus desafios civilizacionais, culturais, religiosos ou espirituais, poderá enquadrar muitos deles pelo modo como os animais foram usados para os melhor definir. A superação de cada indivíduo, a busca da consciência universal, o domínio de si mesmo, a ligação à natureza cada vez mais afastada e perdida, a responsabilidade da espécie humana no contexto de todas as outras espécies como um cuidador, entre outros temas, encontram no Bestiário Maçónico amplo material de estudo. Para o leitor que, além de se interessar por simbolismo, seja maçon, o livro é um guia acerca de uma categoria simbólica particularmente ignorada e, embora presente nos rituais e profundamente importante para a compreensão da Ordem, raramente abordada no seu todo. Nem tudo são compassos e esquadros!…

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“Bestiário Maçónico”, por Luis C. Matos

Edições Nihil Obstat

Preço: 24,50€  19,95 € (até 30 de Novembro 2015)

Mais informações e encomenda de exemplares: Emial para ihshi@mail.com

Sintra fecha o ciclo – O que vale a Pena

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Aos poucos, puxado pelos amigos que se iam inscrevendo e, por um motivo ou outro, não conseguiam estar presentes, fui acrescentando datas ao Calendário de Visitas das Aulas Livres. “Não conseguir ir à Pena! Quando é que vais repetir?”, diziam. “E a Regaleira?”, insistiam. Como não devo ter disponibilidade para repetir algo deste género nos próximos tempos, lá fui aceitando os desafios, semana após semana. Esta semana irá chegar ao fim o ciclo actual de Visitas e Aulas e já abordámos tantos temas e usámos os locais e edifícios históricos como pretexto para tanta filosofia que parece que estou a regressar a casa de uma longa viagem ao regressar à Pena! De Dante a Platão, de Pessoa a Lima de Freitas, de Percival a Galaaz, de lugar em lugar, ideia em ideia, questão em questão, enquadrando os lugares, as doutrinas, as perplexidades. Muito ficou por dizer e muito por observar. Mas a paixão pelos lugares ficou patente. E feliz fui ao ver a paixão compartilhada por tantos.

A eles, obrigado!

 

Eis o jardim de Klingsor e o Castelo do Santo Graal

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Em pleno dia de Pentecostes acompanhámos o autor e ensaísta Luis de Matos, editor chefe do Templar Globe, numa visita guiada ao Palácio da Pena em Sintra. Terminada a visita pudemos trocar algumas impressões e fazer a entrevista que reproduzimos de seguida.

Templar Globe (TG) – Luis, dia de Pentecostes e visita à Pena. Coincidência?

Luis de Matos (LM) – Diz-me tu.

TG – Falou-se muito das Lendas do Santo Graal. Será por isso?

LM – Não. E sim. Há uma relação entre a Demanda do Santo Graal e o Pentecostes. De facto, a versão da Vulgata inicia-se com a celebração do Pentecostes no reino de Artur, data em que tradicionalmente se lançava tavolado e se armavam cavaleiros. Nesse dias esperavam-se sempre milagres e maravilhas. E o romance começa precisamente com alguns acontecimento que maravilham todos e com a armação de Galaaz, filho de Lancelot. Mas não é por isso que escolhemos a Pena.

TG – Outros motivos?

LM – Sim. Como sabes os meus deveres profissionais afastam-me muitas vezes de Portugal. Sou director de uma empresa na área da Digital Media e Tecnologias da Informação e, embora viva há mais de 30 anos na zona de Sintra, estou mais ou menos entre 1/3 e 2/3 dos dias do ano longe de casa. Poder regressar aos lugares que formaram uma ideia que tenho do mundo – e Sintra é um deles – é um privilégio. Por isso fui desenvolvendo alguns hábitos que tento manter religiosamente. Entre eles está fazer uma espécie de Peregrinação a lugares especiais do nosso país, mais longe de Lisboa, lá pela pausa de Julho. Não sei porquê, mas um mês antes das grandes feiras de videojogos como o Gamescom onde tenho de ir, há sempre ali uma ou duas semanas mais livres. Mantenho o hábito de aproveitar para conhecer melhor Portugal há uns anos. Quase sempre há amigos que acabam por ser arrastados e fazemos uma autêntica comitiva. Outras vezes aproveito para visitar amigos que estão longe e só comunicamos pelo Facebook. Já fiz passeios em estudo nessa época do ano a Braga, Lamego, São João de Tarouca, Carrazeda de Ansiães e uma boa parte das Beiras e Trás-os-Montes…

TG – Tu és de lá de cima.

LM – Sim, fiz a escola primária em Mirandela. Conheço bem Bragança, Chaves, Miranda, Mogadouro, Macedo de Cavaleiros… Enfim, estar em Trás-os-Montes é estar em casa. Mas como o meu pai era da zona de Moimenta da Beira, a região de Lamego, Tabuaço, Douro e mesmo Viseu são lugares também enraizados na memória que gosto de revisitar. Durante algum tempo andei por ali todos os anos à procura das memórias das famílias que fundaram a nacionalidade. O Vale do Sousa é muito especial, com uma herança românica única. A cidade do Porto também tem muito que se lhe diga.

TG – És tripeiro…

LM – Sou. Não do ponto de vista futebolístico. Não tenho clube. Mas sou do Bonfim, ali sobre Campanhã onde tinha nascido o Mestre Agostinho [da Silva].

TG – Mas essas visitas são em Julho. Ainda estamos em Maio…

LM – Estou a desviar-me! Outro hábito que tenho é comemorar as Luas Cheias de Carneiro – que coincide com a Páscoa, de Touro e de Gémeos. Não é uma questão astrológica, mas sim tradicional. São três momentos muito particulares no ciclo anual. A última coincide muitas vezes com o Pentecostes. Como tenho responsabilidades em algumas organizações de matriz religiosa, a Páscoa é quase sempre comemorada seguindo a liturgia Cristã. E por ser Chanceler Internacional de uma Ordem de inspiração Templária, o Pentecostes é sempre marcado por algum tipo de actividade. Ora, este ano, devido a uma questão de calendário pessoal, que se definiu muito tarde para Maio e tendo-se dado a feliz coincidência de ter terminado o Curso Livre na Universidade Lusófona sobre Templários e Templarismo há poucas semanas e os meus alunos me terem desafiado para lhes guiar uma visita a Tomar, decidi juntar o útil ao muito agradável e, com eles, com o apoio do Instituto Hermético na divulgação e da OSMTHU, fazer um curto ciclo de visitas como costumo fazer em Maio/Junho.

TG – Então esta não é a primeira.

LM – Não. Começámos em Tomar em Abril, apenas para alunos do Curso. Depois aproveitei então o bom tempo e os Domingos, porque estou sempre em Lisboa ao Domingo e marquei uma visita ao Mosteiro dos Jerónimos, esta ao Palácio da Pena e no próximo Domingo à Quinta da Regaleira, com o Luis Fonseca.

TG – E vai haver mais?

LM – De momento penso que não. Não podemos abusar da paciência das pessoas! Penso em associar-me à festa de São João, que também costumamos fazer em Santa Eufêmea, em Sintra em Junho e talvez mais próximo da tal pausa de Julho (se houver este ano!), logo se vê o que programa. Mas não há mais planos de momento.

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TG – Qual é a relação destas visitas com a Ordem dos Templários a que pertences.

LM – Como sabes o Templar Globe é o órgão de divulgação principal da Ordem Internacional. Fui eu que o fundei e é um lugar de troca e publicação de informação credível sobre os Templários – antigos e modernos. Ultrapassámos há muito o milhão e meio de visitas. Por isso faz parte integrante do modo de comunicar da Ordem. Em geral, tudo o que eu faço pessoalmente relacionado com o tema Templários tem a cobertura do Templar Globe que o divulga através dos grupos do Facebook e internacionalmente. As Comendadorias de Sintra e de Lisboa são importantes bases de apoio ao estudo e actividades da Ordem. Deste modo, o que eu faço, divulgo ou publico sobre os Templários é coerente com o que a Ordem faz. Não confessional nem prosélito, no sentido em que não uso publicações e visitas para cooptar ninguém para a Ordem. Pelo contrário. Há sempre pessoas que me perguntam sobre como entrar na Ordem e eu recomendo-lhes sempre que visitem o site oficial e escrevam um mail para lá. O tema não é a Ordem em que eu estou e onde me sinto bem e onde gosto de trabalhar, mas sim os Templários como Ordem histórica e ideário já muito preenchido de mitos e lendas. Não é uma questão de aumentar fileiras. Bem pelo contrário! O que faço – isso sim – é usar os eventos, publicações e visitas para procurar entusiasmar os que as procuram, a estudar por si mesmos, pensar por si mesmos e concluir por si mesmos. E isso é instrução vital para quem esteja numa Ordem Templária, moderna ou antiga. Mas é também fundamental para quem não esteja em Ordem nenhuma! Ou seja, as actividades públicas que faço são coerentes com o que defendo sobre o mundo iniciático e, nesse sentido, são apropriadas para membros das Ordens a que pertenço, das Ordens a que não pertenço e dos que não querem ser membros de Ordem ou Religião alguma. Há momentos para tudo na vida. Seria matar o propósito das visitas fechá-las a um ramo da grande família fraternal ou usá-las para cooptar gente. Sei que os membros da Ordem Templária aproveitam as visitas para aprender. Mas não se esgota aí. O Curso Livre da Lusófona é outra coisa bem diferente.

TG – Não está afiliado à Ordem?

LM – Absolutamente não. Enquanto na Ordem a aproximação ao tema Templário é na perspectiva da Cavalaria Espiritual como um modelo de comportamento e estudo pessoal, com os seus temas, paradoxos, meditações, objectivos, desafios e imperativos de compromisso interior e com o próximo, o Curso na Universidade é académico. Explora a história da Cavalaria, na qual os Templários se inserem, todo o contexto religioso e depois a história dos diversos movimentos que se foram inspirando nos Templários desde o século XIV ao século XX.

TG – Qual é a diferença?

LM – No primeiro caso estuda-se a doutrina com o objectivo de adoptar as ideias e integrá-las num modelo de comportamento pessoal como via de relação com o divino. No segundo estudam-se as ideias, a suas evolução, de onde surgem e que impacto tiveram na história, na arte, na religião. No primeiro caso vivem-se os Mitos. No segundo conhecem-se os Mitos, as suas origens, o seu arquétipo e o modo como Mito é usado para impulsionar vontades e acontecimentos, sem necessidade de os viver ou acreditar no seu “nada que é tudo”.

TG – E os alunos do Curso da Universidade Lusófona não têm expectativas diferentes de cada visita?

LM – O tema é o tema. Cada um percepciona-o como entende. Creio que as expectativas não são goradas, porque nas visitas estão todo o tipo de pessoas. Os meus livros têm leitores de todo o género. Não sou um autor para apenas um grupo como muitos dos meus colegas autores. Alguns só são lidos nos círculos Maçónicos. Outros só são lidos nos círculos de Nova Era. Outros só são lidos entre duas paragens em bombas de gasolina. Outros só são lidos por académicos. Outros por leitores que não se filiam em nada. Eu tenho uma base de leitores que abarca todos estes grupos e grupo nenhum. O mesmo se pode dizer dos que vão às minhas visitas ou conferências. Procuro não ter uma linguagem “confessional” e proselitista. Não estou a recrutar. Não estou mesmo. Deixem-me em paz. Já tenho muito que fazer. Por isso, ao não ter uma “agenda”, ao não querer promover mais do que o livre pensamento e despertar nos outros a mesma paixão sobres os temas ou lugares que eu mesmo tenho, sem ataduras ou molduras doutrinais, tomo os assuntos de modo que cada um que me ouça ou leia possa tirar o que melhor lhe parecer para a sua busca livre. É seguir as palavras que ouvi ao Mestre Agostinho: “o que importa é gostar do que se faz e ser-se contagioso no entusiasmo”. Por isso, creio que os meus alunos não poderão dizer que lhes tentei impingir doutrinas ou códigos e por isso não creio que as expectativas que tivessem possam ter sido goradas. Espero, isso sim, que os tenha motivado e lerem-me e a deitarem fora os meus livros, trocando-os por coisas ainda melhores.

TG – Mas ao seleccionar um tema como a Demanda do Santo Graal para a Pena já é dar um mote doutrinal.

LM – De modo algum. Foi Strauss que disse “Eis o jardim de Klingsor e o Castelo do Santo Graal” quando esteve em Sintra. Isso acontece porque reconheceu o cenário no qual as óperas de Wagner se desenrolam. Curiosamente Parzival de Wagner é de 1882 e o Palácio da Pena de 1840. Quem inspirou o quê? Quem é percursor do quê? Neste caso o que é evidente é que o mesmo tipo de imaginário que inspirou Wagner tinha já inspirado D. Fernando II.  O facto de ambos terem tido contacto com círculos iniciáticos muito próximos pode ajudar a explicar a coincidência. Mas a associação da Demanda à Pena não é uma questão doutrinal. É uma questão de facto.

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TG – Então onde é que o Luis traça a linha limite.

LM – Traço a linha limite na interpretação desses factos. Ao fazer uma visita destas procuro dar aos meus companheiros de tarde uma boa história. Como se nos juntássemos à volta de uma fogueira e partilhássemos aventuras. Nas visitas tento não falar só eu. Também quero ouvir e aprender. Estão ali muitos pares de olhos que conseguem ver o que eu não vejo e sabem o que eu não sei. O que já aprendi nestas visitas! Ui! Eu o que posso dar é o referencial que não se encontra logo disponível. Interesso-me por estes assuntos, sempre os mesmos, há tanto tempo que algumas coisas foram ficando consolidadas. Lá diz o ditado “O Diabo sabe tanto, mais por ser velho do que por ser Diabo”. Ao manter sempre a mesma linha, acabo por ir construindo uma mundividência só minha, concreta e definida, consistente. É essa experiência que devo partilhar, poupando tempo a quem me acompanha, para que disponham logo de dados relevantes para que façam a sua mundividência eles mesmos. Saber, por exemplo, que D. Fernando II era maçon ajuda a entender algumas coisas. Mas saber que ele se filiava numa Maçonaria alemã de raiz ligada à antiga Estrita Observância Templária reformada, ajuda a perceber o seu interesse pelo pintor Nicolas Poussin e as particularidades que se encontram nos pratos de Cifka. A interpretação desses elementos já são outros “quinhentos”, por assim dizer. É aí que eu traço a linha. Se me fizerem perguntas sobre a interpretação, não deixarei de responder, sublinhando que é a minha interpretação. Mas o que encorajo é a que cada um procure saber mais. Toca a “googlar” Cifka, Estrita Observância e Nicolas Poussin. Não me perguntem o que quer dizer. Descubram! O mais difícil está feito.

TG – Foi assim no Mosteiro dos Jerónimos?

LM – Claro. Um livro incontornável é “A História Secreta de Portugal” do António Telmo, onde se faz um primeiro exercício de interpretação de muitos dos elementos iconográficos. Mas eu não vou aos Jerónimos explicar António Telmo. Ele é auto-explicativo. Compra-se o livro, lê-se, até se pode fazer a visita com o livro na mão e temos lá o que pensava António Telmo. O que importa é dizer que não foi só António Telmo que pensou os Jerónimos. Importa chamar a atenção para o trabalho sobre o simbolismo do Manuelino do Paulo Pereira, para o célebre programa que a RTP passou da autoria do Manuel J. Gandra e do António Carlos de Carvalho nos idos dos anos 80, para algumas linhas escritas e particularmente os painéis do Rossio do Mestre Lima de Freitas e, já noutro plano, para todo um acervo mais recente de autores como Eduardo Amarante, Paulo Loução, entre muitos outros. Assim sim. Assim já temos uma base para “navegar” os claustros. Há informação de qualidade, há especulação, há teses distintas. É isso que serve o visitante. Serve-lhe saber onde há-de ir procurar para fazer a sua própria visita e a sua construção simbólica sobre os Jerónimos.

TG – Então não se ficou a saber o que o Luis pensa?

LM – O que o Luis pensa é muito útil ao Luis. Mas é pouco útil a quem quer compreender – no sentido bíblico de circunscrever e apreender – por si. Não quero que venham ver-me fazer sapatos, que eu não sou sapateiro. Quero que, ao explicar os sapatos, alguns saiam das visitas a querer ir experimentar fazer um par! Uma vez ou outra, lá vou dando a minha orientação temática, porque o tema está lá e fala-se pouco dele. Por exemplo, um tema fascinante nos Jerónimos é o dos túmulos vazios. Até D. Sebastião lá está! Eu tenho opinião e conto algumas histórias. Mas o essencial é apontar por onde procurar mais informação e pontos de vista inusitados ou inabituais. Acho que é disso que as pessoas mais gostam. Uma história bem contada é um apontador.

TG – E no Palácio da Pena, que temas costumam passar despercebidos.

LM – Muitos. Mesmo muitos. Tal como com os Jerónimos há uma visão mais ou menos consagrada da Pena que ignora muitos detalhes. E é no detalhe que está o tesouro. Sim, Parque e Palácio estão relacionados com a Demanda do Graal. Mas que Demanda? Há várias versões, várias linhas tradicionais. Qual delas? Que elementos estão ali expressos? E que outras correntes são determinantes para a Pena tal como a conhecemos hoje? Passa-se ao lado de quase tudo. Um tema fulcral, por exemplo, é o de saber se havia ali um Convento ou um Mosteiro. Não é tudo a mesma coisa… Outro tema é conhecer a Ordem Hieronimita, o que poderá surpreender os mais desatentos. Outro ainda, sobre o qual nos debruçámos nesta última visita, é o dos vitrais. Os da Capela são de tal modo importantes que foram feitos logo em 1840, ano do início das obras. Fazem, portanto, parte dos planos iniciais e aquilo que neles se expressa será fundamental – no sentido mesmo de fundação. Mas mesmo a colecção de esparsos reunida no Salão Nobre não é aleatória e apresenta bastas razões para uma reflexão cuidada. É mais um apontador pouco referenciado.

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TG – O que podemos esperar para a Quinta da Regaleira.

LM – Tudo.

TG – Tudo?

LM – Apontadores. O 515 pode ser logo tratado. Basta 1 minuto e está. A questão Maçónica já foi muito bem ponderada pelo José Anes. Mais um par de minutos e fica o apontador. Quase todos os que vão ou já leram, ou podem vir a ler em breve o livro. Outro apontador é o do Manuel Gandra que publicou informação relevante sobre a colecção camoniana de Carvalho Monteiro, agora em Washington. Isso toma mais uns minutos. Noutro plano, naquele espaço não se pode ignorar o trabalho do Victor Adrião, que já estuda a Quinta desde há muitos, muitos anos. Trabalho extenso, documentado e detalhado. Mais um par de minutos. Como é costume não direi nada sobre o autor, mesmo sabendo que não é recíproco! Em menos de 20 minutos os apontadores mais conhecidos estarão dados. Perfeito. Será então hora de por isso tudo numa pastinha, fechar e ver em casa. Porque chegou a hora de, isso sim, fazer o que se deve fazer naquele jardim: passear. Deixar-se levar. Deixar-se encantar. Viver a tarde. Olhar o detalhe, deixar a evocação surgir à superfície do consciente. É um jardim iniciático. Comece-se a iniciação.

Fotos: Sunana Ferreira (c) 2015

Texto: TG (c) 2015

Aula Livre – Quinta da Regaleira

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A Quinta da Regaleira e os seus Jardins Iniciáticos e Palácio, está situada na encosta da Serra de Sintra e a escassa distância do Centro Histórico. O seu construtor, Carvalho Monteiro, pelo traço do arquitecto italiano Luigi Manini, deu à quinta de 4 hectares, o palácio, rodeado de luxuriantes jardins, lagos, grutas e construções enigmáticas, lugares estes que ocultam significados alquímicos, como os evocados pela Maçonaria, Templários e Rosa-cruz. Modelou o espaço em traçados mistos, que evocam a arquitectura românica, gótica, renascentista e manuelina.

Homem de grande cultura clássica, Carvalho Monteiro era dono de uma excepcional colecção camoniana. A mitologia greco-romana, as visões infernais de Dante e os ecos de um passado distante de misticismo e deslumbre acompanham o visitante que queira decifrar os mistérios de jardins e cavernas, num viagem ao interior da alma.

A visita terá lugar no dia 31 de Maio, iniciando-se pelas 14h30 e terminando 19.00h, sendo guiada por Luis de Matos e Luis Fonseca* (ver: universatil.wordpress.com).

As inscrições são limitadas e devem estar concluídas até dois dias antes da visita por imposições logísticas da própria Quinta.

A visita tem um custo de 10€ por pessoa + entrada no monumento** (ver preços de admissão ao monumento em: regaleira.pt)

Inscrições prévias: ihshi@mail.com

* Luis de Matos é autor, entre outros de “A Maçonaria Desvendada – Reconquitar a Tradição”, “Quero Saber – Alquimia” e “Breve Memória sobre a Ordem do Templo e Portugal”; Luis Fonseca é autor de, entre outros, de “Perit ut Vivat” e “A Doutrina Cristã Esotérica”.

** para alunos do Curso Livre Templários e Templarismo da Universidade Lusófona, bem como membros da OSMTHU a visita é gratuita e apenas devem pagar a entrada no monumento, contudo DEVEM INSCREVER-SE de modo a garantir a participação.

Praxes Académicas e Ritos de Passagem

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Esta Segunda-Feira a TVI-24 teve a gentileza de me convidar para o Programa “Discurso Directo” no qual se abordou o tema das Praxes Académicas à luz das últimas informações sobre a tragédia da Praia do Meco. O meu obrigado à Paula Magalhães e à TVI-24 pelo convite.

Antes de mais convém ressalvar que, não somente a minha intervenção na televisão como este texto, como ainda o Programa que se seguirá na série “Pérolas aos Poucos”, procuram abordar o tema na sua forma genérica e não expressamente o que aconteceu na Praia do Meco há pouco mais de um mês, não apenas porque a informação é escassa e pouco fiável, mas particularmente porque a dor dos pais e familiares de todos os envolvidos deve ser respeitada acima de qualquer outro facto, empalidecendo por isso todas as explicações e opiniões que pudessem ser emitidas e que deixa, assim, de fazer sentido.

Contudo, genericamente falando, as Praxes, a sua história, o seu fundamento e prática ao longo dos anos merece um estudo atento e uma reflexão profunda. Nos últimos anos tem sido trazida recorrentemente para os jornais e televisão pelos piores motivos e os abusos sucederam-se no passado, pelo que as opiniões no pressente são largamente desfavoráveis e facilmente manipuladas no sentido de pedir o seu fim imediato e sem apelo. Mas tal atitude é fruto de uma irracionalidade tão grande como muitos dos abusos que procura resolver, sendo por isso um posicionamento que, longe de resolver o problema, apenas o pode empolar ainda mais.

Dito isto, desejaria abrir o debate pela partilha do vídeo do Programa da TVI-24 “Discurso Directo”, de 27 de Janeiro de 2014, que vos convido a ver. Depois, se assim for do vosso agrado, poderão seguir-nos pela TVL já na Quinta-Feira e mais tarde complementar com um artigo mais circunstanciado onde poderei dar alguns dos links para que cada um possa seguir a pesquisa por si mesmo.

Assim e para já, aqui fica um resumo curto do “Discurso Directo” (3 minutos):

http://www.tvi.iol.pt/videos/14071410

E aqui de seguida fica a versão completa (48 minutos) com as chamadas telefónicas e reportagem:

Reconstituição do Ritual de Praxe de praia feita pela TVI-24 baseada na “Hora do Diabo” de Fernando Pessoa.

http://www.tvi24.iol.pt/…/meco-praxe…/1533037-4071.html

E ainda um documentário do Hugo Almeida que vê a Praxe por dentro. Está muito bem feito e recomenda-se vivamente. Ver o tema, agora por dentro, sem mediatismos nem embelezamentos. Recomendo: