6 Perguntas sobre o “Calepino Maçónico”, último livro de Luis de Matos

Calipono? Calupeno? Calíope? Mas afinal o que é um Calepino???

Eu também não sabia! Tinha vários em casa, mas não sabia! A ideia original era escrever uma pequena compilação de termos usados pelos Maçons e que o público em geral não conhece. Na realidade há uma linguagem própria da Maçonaria, como há, por exemplo, uma linguagem usada por algumas profissões – os tipógrafos, os músicos, os mecânicos, os médicos, etc. – que os “profanos” não conhecem. Todo aquele que não sabe usar os termos próprios é até visto com alguma desconfiança. O mesmo acontece na Maçonaria, que herda muitos termos e expressões do ofício de pedreiro, mas que os completa e amplia, dando lugar a um rico “shibboleth” (é este o termo correcto). Ora, um Calepino é um caderno de apontamentos, em geral composto de entradas que revelam essa linguagem cifrada. É uma espécie de Glossário manuscrito para uso do próprio autor. Quando me dei conta disso, lembrei-me que a maneira como eu mesmo fui aprendendo as inúmeras expressões foi assentando os significados em pequenos cadernos manuscritos que levava às sessões da minha Loja. Era nesses mesmos cadernos onde tomava apontamentos, elaborava esquemas simbólicos e deixava algumas reflexões que, mais tarde, colocava nas minhas Pranchas. O Calepino foi sempre um companheiro inseparável na Loja!

No livro defines 119 expressões usadas pelos Maçons. Queres dar exemplos?

Quando comecei a escrever pensei que iria encontrar umas 40 ou 50. Assim de cabeça podia citar algumas mais emblemáticas. Mas quando comecei a sistematizar o livro, apercebi-me que eram mais. Ao definir umas, inevitavelmente caía em outras. A lista foi crescendo e acabei com 119! Ou seja, muito mais do dobro do que estava inicialmente a contar. E podia ter colocado mais. Procurei não fazer um Dicionário (já há vários de grande qualidade), mas escolher as expressões usadas na Maçonaria que, noutros contextos, podem levar à confusão ou não ser sequer entendidas. É o caso do Oriente, que é mais do que uma direcção no espaço, da Coluna Sul, que é mais do que uma pilastra, do “estar a chover”, que é mais do que uma afirmação meteorológica, ou do Mestre da Harmonia, que não é bem um activista do Budismo Zen… Na Maçonaria o meio-dia não acontece sempre às 12h e a meia-noite nem sempre é às 0.00h. Parece estranho, mas não é. E todo o Maçon deve estar ao nível e pronto para um telhamento, porque os trabalhos decorrem “a coberto”, não numa vila ou cidade, mas “a Oriente” desta, conduzidos pelo malhete sábio e justo do Venerável. Por sorte, a Grande Dieta na Maçonaria não é um regime alimentar severo para perder peso, nem os canhões se carregam com pólvora nos Ágapes para matar ninguém, embora façam fogo! É mesmo um shibboleth muito particular. O livro ajuda todos os que se interessam pela Maçonaria a compreender a sua linguagem. Ajuda Aprendizes e Companheiros a entrar no imaginário simbólico da Ordem. Ajuda os Mestres a usarem os termos com o rigor que se lhes é exigido. Pareceu-me um serviço útil à Ordem, não disponível em muitas publicações.

Aproveitas algumas das expressões para contar algumas das tuas experiências pessoais. Até anotas algum do anedotário maçónico. É um livro auto-biográfico?

Sim, é verdade, conto alguns episódios verdadeiros passados comigo e recupero alguns que me contaram e que relato como anedotas porque não sei se são literais. São, no entanto, todos eles reveladores e, mesmo que divertidos, mostram o lado mais humano da Maçonaria, raramente destacado. É o caso da conversa que tive com o Guarda Externo numa Loja inglesa da capital, simpático velhinho que me acolheu à porta quando os fui visitar e depois não vi mais, uma vez começada a reunião; tendo-o reencontrado só no final, do lado de fora, percebendo só então que Guarda Externo significa isso mesmo: vai à sua Loja para não entrar! Fica do lado de fora! Na minha Loja e no meu Rito não é assim. Falo também de ocasiões em que visitei os trabalhos de outras Lojas fora de portas e onde aprendi muito. Nesse sentido há uma vertente auto-biográfica, embora não seja propositada. Tentei escrever de modo a que os meus leitores se consigam rever nas minhas palavras, de dentro para fora, como Maçon e não como Profano. Por isso há muitas passagens pessoais. É o livro mais pessoal que escrevi sobre este tema. Talvez por isso tenho tido reacções tão positivas. Em geral os meus leitores sentem a distância entre o autor e o leitor. Quando me dizem que leram um livro meu, mostram uma abstracção ao tema do livro e sei bem quando os levei a conhecer temas em que estão “sem pé”. E isso é bom. Quero levá-los onde habitualmente não vão. Foi o caso da “Maçonaria Desvendada” e do “Bestiário Maçónico”. Mas com o Calepino tenho tido reacções muito diferentes. São mais calorosas, mais pessoais, falam-me de passagens mais concretas, de que gostaram e querem saber mais. É um livro que liga a um nível mais emocional do que intelectual. Isto apesar de algumas passagens que contêm muitos níveis de leitura.

Publicas algumas das Pranchas que apresentaste em Loja ao longo dos anos. Queres destacar alguma?

A maior parte das minhas Pranchas nasceu em Calepinos. São o resultado de reflexões muito pessoais. Depois de as ter maturado em manuscrito, passo-as ao “papel” no Word e organizo as ideias de modo a podê-las expor para que sejam entendidas. Algumas das Pranchas são complexas e têm os tais níveis de leitura. Nem todas são directas e transparentes. Aprendizes irão experimentar leituras muito diferentes de Mestres ou mesmo de graus mais adiante. É o meu modo de escrever. Mas há Pranchas mais descritivas, factuais e acessíveis. Escrevo muito sobre a vertente histórica, sobre o simbolismo, o cristianismo e o hermetismo, que são assuntos que eu gosto de abordar de forma directa, aberta, desassombrada e simples, para quem tem conhecimentos elementares. Outras Pranchas passam totalmente ao lado de quem estiver a ler sem a atenção totalmente focada. O longo parágrafo que abre “A Liga do Embuçado – Portugal e a Missão do Porvir” deixou um silêncio pesado quando foi lido pela primeira vez. Um leitor recente, que tinha estado na apresentação original, há quase 10 anos, veio-me agora dizer que finalmente compreendeu o parágrafo! Mas se tivesse de destacar uma Prancha sobre um tema nunca abordado e com elementos inovadores é a “Maçonaria, Artes Cénicas, Ilusão e Magia”, que explora a influência do Teatro, da Ópera e do Ilusionismo no desenvolvimento do ritual maçónico, com interessantes exemplos. Deu-me muito gozo pesquisar o tema.

Publicas também uma Prancha que não é tua. Queres falar sobre ela?

Sim, publico um trabalho único, muito criativo e que ocupa um lugar especial no meu coração. A partitura de uma peça musical escrita pelo compositor Pedro Teixeira da Silva como trabalho de grau, intitulada “São Jorge”, mais tarde estreada na Igreja da Graça em Lisboa pela Orquestra Círculo de Música de Câmara, que pode ser vista aqui:

A peça foi oferecida pelo autor à Grande Loja Unida de Portugal, que a adoptou como seu hino, tendo a Grande Loja pela mão do seu Grão Mestre José Manuel Moreira e o autor Pedro Teixeira da Silva autorizado a publicação das partituras. Embora haja um número significativo de músicos e compositores ligados à Maçonaria em Portugal – mesmo os contemporâneos, em todos os géneros – é invulgar conhecer peças musicais compostas para a Maçonaria, especialmente como trabalho de grau. As partituras contêm as anotações sobre as melodias e movimentos e seus significados e são precedidas pela explicação do próprio autor. Esta originalidade justifica inteiramente a sua inclusão, que é a todos os títulos histórica.

O Glossário poderá ser utilizado para escrever Pranchas de Grau? Não tens receio de ser copiado por Aprendizes preguiçosos, que ficam com o trabalho facilitado, mas depois não vão citar a fonte?

Não, podem copiar à vontade! Na realidade eu não sou um autor muito bom para copiar, porque escrevo de tal modo que o meu texto é um ponto de partida e não um lugar de chegada. Ou seja, lendo as entradas no Calepino, fica feito o trabalho de base, que permite nortear outras leituras e pesquisas. É um veio que estrutura o pensamento e ajuda a destrinçar o que mais se venha a ler. Mas citar-me é um pouco inútil. Procuro ser um autor que abre caminhos em vez de ser uma vitrina de museu onde as coisas velhas são exibidas, muito alinhadinhas, com etiquetas que dizem “este objecto é ISTO”. Não quero que os meus leitores encontrem, como me acontece com alguns autores que não aprecio, becos sem saída. As minhas páginas não são o lugar de destino. Não são catálogos de definições e finitudes. Não. Quero que as minhas páginas sejam abertos e amplos Campos Elísios onde os meus leitores corram, rolem na erva e se apaixonem! Isso sim. Campos abertos em vez de becos sem saída. Lugares de partida em vez de gargalos doutrinais. É assim que procuro escrever.


O “Calepino Maçónico” não está à venda em livrarias.

PEDIDOS PARA: incursoeshermeticas@gmail.com